Título: Emergentes pressionam ricos na OMC
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/11/2005, Economia & Negócios, p. B11

A menos de um mês da conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Hong Kong, um grupo de países emergentes, entre eles o Brasil, reivindica a volta dos aspectos de desenvolvimento para o centro do debate. "As demandas que estão sendo feitas pelos países ricos são fora de proporção ", afirmou o embaixador do Brasil na OMC, Clodoaldo Hugueney. "As negociações foram lançadas em 2001 com a promessa de trazer desenvolvimento aos países pobres. Hoje, só temos frustração e o debate foi sequestrado por países ricos que afirmam estar falando pelas economias mais pobre ", alertou um diplomata da Índia. O manifesto assinado ontem por Indonésia, Paquistão, Filipinas, África do Sul, Argentina, Venezuela, Namíbia, além de Brasil e Índia pede que o processo lançado em Doha há quatro anos volte a sua origem: transformar o comércio em uma alavanca par o desenvolvimento. A divulgação do documento ocorre em um momento em que os países ricos, principalmente os europeus, indicam que não tem mais nada a oferecer aos países em desenvolvimento em termos agrícolas e ainda pedem concessões dessas economias emergentes em setores como produtos industriais e serviços.

O grupo, que por enquanto conta com oito países, reviveu ontem em parte o sentimento que prevalecia na reunião da OMC em Cancun, em 2003, quando os países em desenvolvimento se reuniram para impedir que um acordo fosse fechado.

"O conteúdo da Rodada de Doha foi esquecido e estamos lutando por recolocar a alma da negocição no centro do debate", alertou o embaixador da África do Sul, Faisal Ismail. Na avaliação do representante brasileiro, Clodoaldo Hugueney, a prova de que a dimensão desenvolvimentista da rodada está sendo posta de lado é o fato de que as propostas de cortes de tarifas e de subsídios no setor agrícola não cumprem o mandato negociador acertado em 2001. Os europeus aceitam cortes de apenas 39% em suas tarifas, e mesmo assim mantendo mais de 200 produtos com proteções extras.

Para recolocar o desenvolvimento no centro do debate, os países pedem em primeiro lugar o corte drástico de subsídios para a agricultura. Os europeus aceitam certos cortes, mas condicionam a abertura dos mercados dos países emergentes para produtos industriais. "Com os subsídios, os países ricos conseguem ser competitivos e minam o desenvolvimento de muitas economias em desenvolvimento. Por 50 anos, a agricultura nao fez parte das negociações comerciais. Agora, os países em desenvolvimento não podem pagar por essa correção nas regras" , afirmou Hugueney.

No setor de produtos industriais, a reivindicação do grupo é para que seja dado um espaço a esses países para que possam promover suas políticas industriais. Para isso, nem todas as tarifas de importação poderiam cair.

Outro ponto defendido pelo grupo é a criação de um fundo para ajudar os países mais pobres a se restruturarem, além da aprovação de um pacote de ajuda ao desenvolvimento. Os países ainda sugerem dar às economias mais pobres do mundo a garantia de que não terão de pagar tarifas aduaneiras para seus produtos.

Os europeus concordam com esse ponto para o grupo de países africanos, mas tentam dividir os países em desenvolvimento. Ontem, o embaixador da União Européia na OMC, Carlo Trojan, alertou que nem todos os interesses dos países emergentes não são coincidentes e que é Bruxelas quem na realidade está preocupada com o destino das economias mais pobres do mundo.

Ontem, o G-20, grupo formado por Brasil, Índia, China e outros países emergentes, ainda fez propostas de como avançar nas negociações sobre a declaração que terá de ser aprovada em Hong Kong. O texto, apresentado como um rascunho no último sábado, não consegue ser motivo de entendimento. Alguns países, como o Brasil, acreditam que precisa ser fortalecido no capítulo sobre a agricultura.

O Itamaraty quer tentar incluir no texto fórmulas de como devem seros cortes de tarifa e de subsídios. O texto poderia também trazer regras sobre os produtos que seriam considerados como sensíveis pelos países ricos. Outra reivindicação do Itamaraty é para que o texto traga uma data final para os subsídios à exportação.

" O rascunho da declaração ministerial é desapontador em relação à substância ", disse Hugueney, em nome do G-20. Para ele, o problema é a falta de vontade política por parte de alguns paises. Na avaliação do embaixador, Hong Kong precisa ser o local de flexibilidades "visíveis e genuinas" por parte dos países. Só assim a reunião poderá ser uma plataforma para a conclusão das negociações da OMC em 2006, como estava previsto.