Título: Mortos muito vivos no Congresso
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2005, Nacional, p. A8

Deputados que renunciaram a seus mandatos ainda freqüentam a Câmara e chegam a coordenar reuniões de bancadas

Uma legião de mortos-vivos perambula pela Câmara e pelo Senado nas terças, quartas e quintas-feiras, dias em que ocorrem as sessões deliberativas. Eles não votam mais, porque renunciaram a seus mandatos. Mas, como antes, quando ainda eram deputados, são assíduos no Congresso. Tão assíduos que um deles, Paulo Rocha, ex-líder do PT, comandou na quarta-feira uma reunião da bancada paraense que tratava das emendas ao orçamento da União de interesse do Estado.

Paulo Rocha é o presidente do PT do Pará. No fim do mês, vai entregar o cargo ao deputado José Gerardo. Rocha renunciou ao mandato para fugir do processo de cassação, pois foi acusado pela CPI dos Correios de ter recebido R$ 920 mil das contas do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. Diz que o dinheiro chegava até ele por ser dirigente partidário e que uma parte entregou ao PT; outra, ao PSB. Com a renúncia, ele garantiu os direitos políticos. Pode se candidatar no ano que vem e voltar à Câmara, da qual nunca se afastou.

Como Paulo Rocha, o ex-deputado José Borba (PR) renunciou ao mandato para fugir do processo de cassação. Ele era líder do PMDB. Foi acusado de ter recebido R$ 2,1 milhões de Marcos Valério. Borba, que nos últimos meses andava sumido, reapareceu de vez. Caminha pelos corredores com o semblante de uma pessoa aliviada. Não perdeu a pose de líder.

Na última segunda-feira estava encarapitado na cadeira que já foi dele e que agora é do líder Wilson Santiago (PB). De lá, telefonava folgadamente para correligionários. Os funcionários do gabinete do líder ainda são os mesmos que serviram a Borba. Como assegurou seus direitos políticos, vai se candidatar novamente.

"VOLTAREI"

Dos mortos-vivos da Câmara, outro que está sempre presente é o ex-presidente da Casa Severino Cavalcanti (PP-PE). Ao contrário da turma do mensalão, ele renunciou por causa de um mensalinho. O empresário Sebastião Buani o acusou de lhe cobrar propina para renovar a licença de exploração de restaurante na Câmara. O cheque apareceu e Severino renunciou. No dia em que deixou a Câmara, ele anunciou: "Voltarei."

Severino passa em Brasília os três dias da semana mais movimentados. Perambula pelo Senado e pela Câmara. Visita seu antigo gabinete de presidente, dá uma parada no do segundo-vice, seu pupilo Ciro Nogueira (PP-PI), e depois segue para o anexo do Senado onde funciona a presidência do PP. Tem ainda uma sala no Ministério das Cidades, onde seu amigo Márcio Fortes é o titular. Antes, quando aparecia, os repórteres corriam atrás de Severino, que sempre dava uma entrevista e um palpite sobre alguma coisa. Agora, quando ele passa, já não desperta interesse.

O mesmo acontece com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que renunciou também por causa do dinheiro de Marcos Valério. Passa pelos repórteres e, se alguém lhe acena, diz que está em voto de silêncio. Ele afirma que recebeu R$ 6,5 milhões e que gastou tudo com a campanha do segundo turno do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Marcos Valério diz que foram R$ 10,8 milhões.

Valdemar não está nem aí para a diferença. Fica em Brasília a semana toda. Como é presidente do PL, só deixa a capital para encontros do partido, agora estruturado em todos os Estados. De vez em quando vai a São Paulo ver como está a sua empresa de exploração de areia.

Ainda vivo, mas com possibilidade de perder o mandato a qualquer hora, porque a Justiça Eleitoral o acusa de compra de votos, o deputado Ronivon Santiago (PP-AC) se esgueira pelos corredores da Câmara. Assinou o requerimento para prorrogar a CPI dos Correios até abril.

Pressionado pelo governo, recuou e retirou a assinatura. Ronivon tem prática como morto-vivo. Renunciou ao mandato em 1998, logo depois da revelação do escândalo da compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição e sumiu. Reapareceu em Fortaleza. Voltou à Câmara na atual legislatura. Mas não deverá terminá-la.

Em situação igual está a deputada Janete Capiberibe (PSB-AP). Ela e o marido, o senador João Capiberibe (PSB-AP), são acusados pela Justiça Eleitoral de compra de votos. O senador está nos momentos finais da agonia. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado lhe deu prazo de cinco sessões para se defender, prazo que termina nesta semana. Depois, a Mesa Diretora deverá decretar a perda do mandato, já decidida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ratificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Janete, como Ronivon, já foi notificada pela presidência da Câmara de que há um processo de perda do mandato dela. Não tem como salvar o mandato, porque a decisão será tomada pela presidência da Casa, em cumprimento a decisão judicial.