Título: Jobim é alternativa para 2006, diz Renan
Autor: Christiane Samarco
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2005, Nacional, p. A6

Considerado um dos maiores aliados do governo no Congresso, presidente do Senado afirma que PMDB não deverá apoiar a reeleição de Lula

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é um dos maiores aliados do governo no Congresso, mas não apoiará a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele defende a tese de que seu partido tem de lançar um candidato próprio e diz que é preciso levar a sério a hipótese de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, entrar na disputa pelo Palácio do Planalto no ano que vem. "Jobim, neste cenário revolto de crise, pode emprestar seu talento para uma candidatura alternativa ", afirma. Outra opção do PMDB, na visão de Renan, é o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos. Em entrevista ao Estado, Renan critica a política econômica e toma o partido da ministra Dilma Roussef (Casa Civil) no embate com Antonio Palocci (Fazenda). Para ele, a carga tributária "asfixia o setor produtivo" e Palocci deve ter mais "ousadia" e fazer mais investimentos. O sr. acredita na aprovação da proposta que permite que as alianças nos Estados sejam diferentes das coligações para a Presidência?

Sempre defendi a revogação dessa camisa-de-força. A peculiaridade local não pode ser escravizada pela vontade nacional. A verticalização é defensável como princípio, mas precisa vir como conseqüência da reforma política, não como pontapé inicial dela. Se todos os partidos entenderem que verticalizar as alianças agora significa verticalizar o caos eleitoral, a emenda será aprovada com facilidade.

O PMDB fechará com o PT na eleição nacional se a emenda passar?

É muito difícil o PMDB se aliar a qualquer partido nesta eleição, inclusive o PT. A governabilidade nunca se entrelaçou com nosso compromisso eleitoral para 2006. Isto foi dito com todas as letras ao presidente Lula e repetido por ele ao partido. Sempre deixamos claro o compromisso com a candidatura própria, que hoje é fator de coesão interna.

Coesão mesmo em torno da candidatura de Anthony Garotinho?

Não há consenso sobre nomes, mas não há carência. Temos até excesso. Temos os governadores Jarbas Vasconcelos (PE), Germano Rigotto (RS), Roberto Requião (PR) e Joaquim Roriz (DF), e Itamar Franco, Garotinho, Jobim. Mas as prévias para escolha do candidato estão marcadas para março e Garotinho corre sozinho. Quem tiver condições de fazer a melhor campanha e levar o PMDB à vitória deve ser indicado, mas na hora certa. Sou a favor de adiar as prévias e por um motivo simples: se ocorrerem antes de abril, prazo para desincompatibilização (dos candidatos com cargos no governo e dos magistrados), estaremos alijando os governadores, e isto não é justo.

Mas como negociar uma nova data em meio à briga interna, em que o sr. mal fala com o presidente do partido, deputado Michel Temer (SP)?

Com o tamanho do desafio que temos em 2006, o presidente do partido deveria trabalhar mais com a cabeça e menos com o fígado. Temos empreitada de responsabilidade, cuja racionalidade não pode se contaminar por questões menores. O presidente preside o partido, e não parte dele. As prévias têm de ser conseqüência da vontade do partido e não de um segmento.

Porque o presidente do Senado ficou de fora do programa do PMDB no rádio e na TV há dez dias?

Eu não estoco rancor. Faz mal à alma. Nem fico cevando vaidades por conta dessa ribalta. É até democrático abrir oportunidade aos que só contam com espaço institucional. Mas não foi a primeira vez que não fui convidado para o programa. Acho até que não fotografo bem.

A ala de oposição ao governo fala que o sr. não quer candidato próprio porque prefere compor com o PT.

Quem diz isso confunde de forma proposital governabilidade com eleição. Chegam ao exagero de dizer que quero ser vice do Lula. Mas já disse que jamais serei candidato a vice. É uma figura decorativa tentando disfarçar o ócio com declarações em cerimônias laudatórias. Minha intenção é disputar o governo de Alagoas, mas isto não depende da minha exclusiva vontade.

O sr. acredita na viabilidade da candidatura Jobim pelo PMDB?

Sim. Acho que Jarbas e Jobim têm os melhores perfis para disputar a Presidência. Jarbas governa um importante Estado do Nordeste, tem o que mostrar do ponto de vista da gestão, não tem rabo de palha, unifica o partido e se relaciona bem com prováveis aliados. Jobim, neste cenário revolto de crise, pode emprestar seu talento para uma candidatura alternativa, com grandes chances de vitória.

A candidatura de Jobim pode agravar a crise entre STF e Congresso?

Não vejo assim. Acho que as instituições mostraram amadurecimento notável na crise. Busco atuar como moderador na contenda, que muitas vezes é fruto de uma retórica mais contundente. Jobim colabora para que a crise, que é política, não seja institucional. Ele tem mostrado bom senso, equilíbrio e responsabilidade para não transformarmos as pequenas fagulhas em um grande incêndio.

Há risco de crise institucional?

Já tivemos muitas decisões judiciais com relação ao Congresso e nem por isto as duas Casas entraram em rota de colisão com o Supremo. Tivemos até a situação insólita de o Pleno do STF notificar o Senado para afastar um senador (João Capiberibe) e, no dia seguinte, um ministro do tribunal dar liminar restituindo o mandato do mesmo senador. Lembro isso para dizer que estamos respeitando as decisões. E lembro a decisão de mandar instalar a CPI dos Bingos. Ninguém reclamou a interferência naquela oportunidade.

Jobim e o STF estão acertando nas decisões sobre o processo de cassação de Dirceu na Câmara?

O processo legal e o amplo direito de defesa são conceitos intocáveis, mas é preciso discernimento para não permitir que seu exercício vire instrumento de uma tática procrastinatória. Se isto continuar, desgastará mais o Judiciário do que o Legislativo diante da opinião pública.

As liminares em favor de Dirceu configuram procrastinação?

Essas decisões não podem parecer que favorecem a impunidade, mesmo que o Supremo não tenha essa intenção. O STF também precisa compreender que o rito do processo de perda de mandato tem viés político e peculiaridades. Como o Conselho de Ética não tem poder coercitivo para intimar testemunha, quem quiser postergar o julgamento, basta não levar a testemunha. Aí vai ficar tudo parado? Claro que não. A Câmara tem de ter um calendário, que é da Câmara, não é do Supremo.

Qual é sua avaliação da economia?

É importante encarar esse momento de maior asfixia do setor produtivo. Ninguém, pessoa física ou jurídica, agüenta pagar tantos impostos e ver tão pouco retorno. Não dá mais para falar em carga tributária. Estamos numa situação de opressão tributária. Não dá mais para fingir que essa bomba não vai estourar. A receita deve ser conseqüência do crescimento da economia. Quando a receita cresce pelo aumento da carga, pune todos. Há estrangulamento recorde da economia pelo excesso de tributos. A política monetária na prática desfez os ganhos da política fiscal.Está na hora de rever isso. Está claro que o Banco Central errou a dosagem. Mas ainda há tempo para reverter isto com mais ousadia.

Qual é sua receita?

É o equilíbrio, uma sintonia fina entre o ajuste fiscal com folga para o investimento público em infra-estrutura, energia. Não defendo a gastança sem regras, sem prioridade, sei o quanto custa a inconseqüência fiscal.

Isto significa que no embate entre a Fazenda e da Casa Civil o senhor fica com a ministra Dilma?

A ministra vocaliza apreensão freqüente no meio político e empresarial e de certa forma reflete a inquietação no governo. Ela veio das Minas e Energia, sabe que há atraso de investimentos. É natural que os reclame. Ela é talvez quem do governo melhor se relaciona com o PMDB. Achamos que é hora de defender a política econômica e fazer os ajustes que precisam ser feitos, sintonizando a política econômica com a economia real.

O senhor fala em defesa, mas só criticou a política econômica.

Lula comparou o Palocci ao Ronaldinho, mas não acho que ele seja o Ronaldinho da Esplanada. Está mais para um meio de campo eficiente, duro, um marcador implacável. Ronaldinho é audacioso, arrojado. Para se tornar goleador tem de ter mais jogo de cintura, ser mais versátil, passar mais a bola e ser menos fominha. Basta ver o placar do investimento. Até agora o governo executou apenas 16,7% do previsto no orçamento.

O PSDB teme que a pressão para afrouxar o rigor fiscal redunde em inflação e desorganize a economia.

Discordo. Acho que dá para o time jogar junto e para fazer a convergência entre o que defende Dilma e o que quer Palocci. Ninguém melhor do que ele para fazer isto, mas tem de ser rápido. Não pode demorar mais.