Título: Insatisfeito, Palocci diz que não recua e cobra definição de Lula
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2005, Nacional, p. A4

Ministro da Fazenda afirma ao presidente que não vai arredar pé na defesa do controle dos gastos públicos

Irritado com a interferência cada vez maior da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, sobre a política econômica, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, queixou-se da colega para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em conversa reservada, Palocci disse a Lula que não lhe bastam declarações de amor quando há atitudes "antagônicas" dentro do governo. Na prática, o ministro quer forçar o presidente a arbitrar a briga. "Não dá para atravessar o rio com o pé em duas canoas", afirmou Palocci, de acordo com relato de um interlocutor. O diálogo ocorreu na quinta-feira à noite. Lula passou a mão na cabeça do ministro e garantiu que tudo será resolvido. Mas a guerra fria continua.

Palocci não arreda pé de sua posição em defesa do controle de gastos. Alega que não se pode usar um ano eleitoral - no caso, 2006, quando Lula pretende concorrer a um segundo mandato - para desarranjar as finanças. Dilma também não cede e insiste em que "ninguém faz uma política de esforço fiscal sistemático sem problemas". Resultado: nos últimos dias, o ministro se recusou a comparecer a três reuniões da Junta Orçamentária - a trinca formada por Casa Civil, Fazenda e Planejamento -, que define os gastos do governo.

"Eu não vou lá. Vá você", disse Palocci ao despachar Murilo Portugal, secretário-executivo da Fazenda, para a reunião com Dilma. Se dependesse dele, a Casa Civil não teria mais assento na Junta. Se dependesse dela, a Fazenda não mais ficaria com o controle "exclusivo" da execução financeira do Tesouro.

Na Casa Civil, o comentário é que Palocci "atomizou" os argumentos de Dilma, resumindo a crise a uma disputa pelo tamanho do superávit primário - poupança feita para pagamento dos juros da dívida. Com a estratégia, desviaria também o foco das denúncias que pesam contra ele, da época em que era prefeito de Ribeirão Preto (1993 a 1996 e 2001 a 2002).

Comandante da economia, Palocci já avisou a Lula que não ficará "sangrando" em praça pública. Quer permanecer no governo, mas, se a batalha interministerial persistir, ameaça mais uma vez entregar o cargo.

As divergências com Dilma não são de hoje. Bem antes do bombardeio público, uma reunião da Câmara de Política Econômica, no Palácio do Planalto, escancarou a queda-de-braço. Quem assistiu ficou perplexo. Enquanto Palocci apresentava números dramáticos para explicar a necessidade da tesourada nos gastos, Dilma mal se continha na cadeira. "Até parece!", comentava. Intercalava a exclamação com desabafos do tipo "Eu não agüento isso!".

Embora Lula tenha dito que desse confronto sairá "algo muito melhor" para o Brasil, ele está muito preocupado. O tom do duelo parecia ter diminuído depois de segunda-feira, quando Palocci ganhou um round ao convencer Lula de que, na prática, o superávit não pode ficar em 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), como quer Dilma. Apesar de defender um aperto maior - na casa de 5,1% do PIB -, o ministro concordou com o meio-termo e o superávit deverá fechar o ano em torno de 4,6% a 4,7%.

"Não pode ser assim. Ele está escondendo os números", discordou Dilma, em conversa a portas fechadas com outros colegas da Esplanada. Sucessora de José Dirceu na Casa Civil, ela virou uma espécie de porta-voz dos ministros insatisfeitos com a política econômica e o corte de verbas para investimentos. Gerente do governo, ganhou fácil a simpatia de Lula, que não se cansa de prestigiá-la, além do aval do vice-presidente, José Alencar, e da cúpula do PT.

A rede de apoio a Dilma tem crescido tanto que, por ironia do destino, no Ministério da Fazenda fala-se até em criar o movimento "Volta, Dirceu!". Deputado à beira da cassação, Dirceu teve duros embates com Palocci, mas nenhum deles chegou a esse ponto.

"Nessa briga eu estou com a Dilma", anunciou o vice Alencar em sua peregrinação contra a alta dos juros. "Tratar a administração orçamentária como temos tratado é uma irresponsabilidade", atacou.

DILMINHA

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, não quis jogar mais gasolina na crise. "Eu e Dilminha nos reunimos com todos os ministros", contou ele, usando o nome da chefe da Casa Civil no diminutivo para tentar apagar o fogo amigo. "Estamos trabalhando para executar programas definidos como prioridade pelo presidente na área social e em infra-estrutura."

Braço direito de Palocci, Bernardo faz de tudo para espantar desavenças. "Não há estresse adicional." Defensor da calibragem da política monetária, o deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE), presidente da Confederação Nacional da Indústria, aproveitou a deixa. "Assim como o câmbio, a briga é flutuante", definiu.