Título: Chávez: 'Oposição tenta articular golpe'
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/12/2005, Internacional, p. A16

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, acusou ontem à noite a oposição de tentar articular um novo golpe militar. "Tenho informações de que fizeram ligações a chefes militares", disse Chávez, referindo-se genericamente a líderes oposicionistas e a empresários dos meios de comunicação. "Estou seguro de que os militares responderão com a mesma firmeza com que resistiram ao golpe militar, ao golpe petroleiro, ao golpe da mídia e ao golpe eleitoral", acrescentou, numa menção a sua destituição em abril de 2002, à paralisação da indústria petrolífera em dezembro daquele ano e ao boicote às eleições de domingo. Para Chávez, o boicote foi ordenado pelo presidente dos EUA, George W. Bush, em represália por sua atuação na última reunião de cúpula do hemisfério, há um mês - quando o líder venezuelano encabeçou a oposição às propostas americanas. "É o primeiro efeito da Cúpula de Mar del Plata", disse ele, num evento de pagamento de diferenças retroativas de aposentadorias. "Nós, venezuelanos, nos tornamos uma pedra no sapato dos americanos", observou, pedindo uma "mobilização permanente do povo em favor da soberania". "No pasarán", bradou Chávez, repetindo a frase da dirigente histórica do Partido Comunista espanhol Dolores Ibárruri, La Pasionaria (1895-1989), e da Revolução Cubana. "O imperialismo americano não passará."

Atendendo a convocação do governo, milhares de pessoas participaram ontem em Caracas de uma manifestação em favor da realização das eleições parlamentares de domingo. Ostentando camisetas de órgãos da prefeitura e faixas que indicavam um ato previamente organizado e uma forte presença de funcionários públicos, os manifestantes caminharam até a sede do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), no centro. O vice-presidente José Vicente Rangel, que participou da "marcha", estava efusivo. "É impressionante, convocamos há poucas horas, e o povo bolivariano compareceu maciçamente", disse. "Com isso, sepultamos definitivamente o golpismo", acrescentou ele, referindo-se ao boicote.

Citando pesquisas que prevêem a eleição de 15 a 20 deputados oposicionistas, numa Assembléia Nacional de 167 cadeiras, Rangel garantiu que o problema da oposição não são as alegadas suspeitas de fraude no processo eleitoral: "Eles não têm votos, não têm povo. É impossível ir a eleições sem povo."

Na noite de quarta-feira, o partido Primeiro Justiça (PJ) aderiu ao boicote das eleições, tornando-se o quarto a desistir da disputa, alegando riscos de fraude na contagem dos votos. O boicote foi lançado na terça-feira pela Ação Democrática (AD) e o Copei, os dois partidos de oposição mais tradicionais, alegando que o sigilo das urnas eletrônicas, fabricadas pela americana Smartmatic, pode ser violado. Nos dois dias de discussões no PJ, um dos argumentos que mais pesaram em favor do boicote foi o fato de que os fiscais da AD eram responsáveis pela presença em 78% das seções eleitorais. Na sua ausência, a oposição ficará totalmente desguarnecida.

Antes de anunciar o boicote, os partidos de oposição haviam imposto como condição para participar das eleições a desativação de um programa de computador que vincula a votação a um sistema de reconhecimento do eleitor via impressão digital, argumentando que ele violava o sigilo. Mesmo discordando do argumento, o CNE concordou em desativar o programa. A oposição continuou alegando que o sistema é capaz de armazenar a ordem dos votos, além de a contagem não ser inviolável. O CNE garantiu que essa ordem é embaralhada pelo programa, e que o sistema é à prova de fraudes. Mesmo assim, a oposição optou pelo boicote, exigindo o adiamento do pleito.

Enquanto os manifestantes pró-eleição se aglomeravam diante do CNE, o presidente do órgão, Jorge Rodríguez, fez um veemente apelo em favor das eleições: "Milhões de venezuelanos querem votar e o CNE tem de defender esse direito." Afirmando que apenas 78 dos 4.056 candidatos se haviam retirado oficialmente da disputa, Rodríguez perguntou: "Quem tem mais direito? Esses 78 ou o resto? Em última instância, milhões de venezuelanos crêem no voto para superar suas dificuldades."