Título: Doze anos de gasto público em expansão
Autor: Rogério L. F. Werneck
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/12/2005, Economia & Negócios, p. B2

Antes tarde do que nunca. É muito bom que a grande polêmica econômica que racha o governo e divide o País, a 11 meses das eleições, seja a discussão sobre a necessidade de se conter a expansão do dispêndio público. Em meio ao calor do debate, arrolam-se fatos e se desmitificam preconceitos. E a opinião pública se informa. Com sorte, quem sabe, o tema pode até se tornar questão importante na campanha para a eleição presidencial. Mas isso talvez já seja pedir demais. É pena que boa parte do debate venha tendo como foco as contas públicas de 2005. Uma perspectiva de prazo mais longo permite percepção bem mais nítida da real natureza do problema. O que os dados mostram é que há 12 anos vem tendo lugar no País expansão contínua e vigorosa de dispêndio público, que já elevou em um terço a participação dos gastos primários dos três níveis de governo no produto interno bruto (PIB). Tais gastos, que não incluem os juros pagos sobre a dívida, saltaram de 24% para 32% do PIB. As contas são muito simples. Pode-se tomar como base valores médios das variáveis fiscais relevantes no triênio 1991-93, anterior ao Plano Real: carga tributária bruta de 25,6% do PIB, superávit primário dos três níveis de governo (afora empresas estatais) de 1,7% e gastos primários de 23,9% do PIB. Basta comparar esses dados com os de 2004: carga tributária de 35,9% do PIB, superávit primário de 4% do PIB e gastos primários de 31,9% do PIB. O resumo da história é muito claro. Houve no período aumento de carga tributária de nada menos do que 10,3% do PIB, que viabilizou salto de 8% do PIB nos gastos primários da Federação e elevação de 2,3% do PIB no superávit primário dos três níveis de governo. São cifras que merecem reflexão.

Esse resumo, contudo, esconde os meandros da tumultuada história da política fiscal do período. Não custa relembrar fatos mais marcantes para ajudar a reconciliar as lembranças que guarda o leitor com a constatação um tanto chocante que advém das contas acima. Há que se lembrar, em primeiro lugar, do ajuste fiscal que serviu de âncora ao Plano Real. Em 1994, a elevação substancial da carga tributária, para 29,5% do PIB, permitiu acomodar expansão significativa do gasto primário e ainda aumentar o superávit primário dos três níveis de governo para quase 4,5% do PIB. Mas esse superávit desapareceu no ano seguinte. Foi quase integralmente convertido em expansão de gastos primários em 1995. Hoje em dia, algo parecido teria feito soar o alarme. Mas naquele tempo o País ainda tinha muito a aprender. Na verdade, a deterioração fiscal continuou avançando por quase três anos mais. Na época, as Dilmas prevaleceram sobre os Paloccis. Nem mesmo a crise da Ásia chegou a alterar o curso da política fiscal. O governo até ensaiou um espalhafatoso ajuste no final de 1997, mas logo se acomodou, quando constatou que a simples coreografia da mobilização com a questão já tinha sido suficiente para que o País superasse a crise de confiança que se instalara.

Foi só no segundo semestre de 1998, quando o governo se viu às voltas com o choque da crise da Rússia, que o alarme afinal soou para valer. A crise marcou o início de um longo e persistente esforço de ajuste fiscal, que permitiu que o resultado primário dos três níveis de governo passasse de um déficit de 1% do PIB em 1997 para um superávit de 4% em 2004 (excluindo, mais uma vez, as empresas estatais). O que não se pode perder de vista, contudo, é que esse esforço de ajuste se fez todo pelo lado da receita, já que os gastos primários dos três níveis de governo continuaram em expansão nesse período. Já estavam em 30% do PIB em 1997 e passaram a quase 32% do PIB em 2004.

Na verdade, desde 1994, os gastos primários dos três níveis de governo, medidos como proporção do PIB, só não aumentaram em 1998 e 2003. Em todos os demais anos, houve aumento. Durante o período 1994-2004, os gastos primários mostraram taxa de crescimento média de 5,3% ao ano, quase o dobro da taxa de crescimento média do PIB no período, que foi de 2,7% ao ano. São 11 anos de rápida expansão de gastos. Doze, quando se leva em conta a expansão observada em 2005. São dados que deixam pouco espaço para dúvidas acerca da urgência de se conter o crescimento dos gastos primários dos três níveis de governo nos próximos anos.