Título: O monocórdio presidencial
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2005, Economia & Negócios, p. B2

Dia sim, outro também, a assessoria do presidente Lula arranja uma solenidade pública para ele repetir o fastidioso monocórdio de glórias ao seu governo, em que há sempre auto-referências que, de tanto repisá-las, já caíram no anedotário popular: "Nunca houve antes um governante (...), pela primeira vez na História do País (...)". E tome auto-elogios! Se um marciano desembarcasse de repente em Brasília, imaginaria que o Brasil começou com Lula. Antes dele, um enorme apagão na História. Só um marciano mesmo, porque os terrestres sabem muito bem que governo é continuidade, administrar é saber colher frutos do que de bom plantou o antecessor. Lula deveria aprender com seu ministro da Fazenda, que, nos últimos dias, elogiou ações dos ex-presidentes José Sarney, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso - segundo Palocci, imprescindíveis para o governo Lula tomar decisões e avançar em sua política econômica. Aliás, o único e recorrente triunfo exibido por Lula em seus monocórdios.

Há outros, mas vamos citar apenas dois casos de sucesso que explodiram no governo Lula, mas foram plantados lá atrás, quando seu rival, Fernando Henrique Cardoso, governava o País. Apesar da ruidosa oposição do PT e de Lula que o governo FHC enfrentou no Congresso e nas ruas, na época.

O primeiro caso emergiu dos números do IBGE colhidos em recente pesquisa em mais de 5 mil municípios brasileiros. Entre 1999 e 2003, dos dez municípios que mais aumentaram a renda per capita, geraram empregos e ganharam peso na economia do País, nada menos que seis devem seu progresso ao petróleo e a produtos derivados. Campos, Macaé e Duque de Caxias (RJ), Paulínia (SP), São Francisco do Conde e Camaçari (BA) revelaram extraordinária expansão da renda em decorrência do crescimento da exploração, da produção, do refino e da industrialização do petróleo. Qual foi o milagre? Por que antes de 1999 esses municípios não mostravam tal pujança?

O milagre chama-se extinção do monopólio da Petrobrás e abertura do mercado para outras empresas, aprovadas em lei pelo Congresso, em 1997, por proposta do governo FHC e apesar da oposição nada inteligente de Lula e do PT. A abertura trouxe para o Brasil divisas, novos empregos e dezenas de empresas interessadas em investir em pesquisa, exploração e produção de petróleo, além de dezenas de outras que prestam serviços à movimentação da indústria. E obrigou a Petrobrás a sair da letargia, modernizar-se, expandir suas atividades fora do País, tornar-se um player internacional e mais do que dobrar seu valor de mercado.

No caso do petróleo, os frutos foram germinados e colhidos já no governo FHC. O resultado foi a rápida expansão da produção de óleo, combustíveis, produtos petroquímicos, venda interna e exportação. O governo Lula nada fez de novo, simplesmente continuou a política concebida por FHC, inclusive a realização de leilões de áreas para pesquisa e exploração, que os retrógrados sindicalistas da CUT continuam combatendo e os habitantes das áreas leiloadas, rezando pelo sucesso da descoberta de óleo.

O segundo caso foi o excelente desempenho do comércio exterior brasileiro nos últimos cinco anos, período em que o superávit comercial saltou de US$ 2,6 bilhões em 2001, para US$ 13,1 bilhões em 2002 e US$ 43 bilhões esperados para este ano. Se as empresas exportadoras continuam as mesmas, se a política de comércio não mudou, se os acordos comerciais com outros países datam do governo anterior, qual foi a grande mudança que fez explodirem nossas exportações? Quem é do ramo conhece a decisiva influência do câmbio sobre as operações externas do País. O que mudou foi o sistema cambial, de um câmbio quase fixo do período Gustavo Franco, para outro flutuante, introduzido por Armínio Fraga, em março de 1999. Ao flutuar para cima e para baixo por força de mercado, da lei da oferta e da procura, o câmbio flutuante deu enorme impulso às exportações, segurança para as empresas organizarem a produção exportável e tornar estável o fornecimento para compradores lá fora. Rejeitado por estrelas do PT, como o senador Aloizio Mercadante, que prefere elevar o dólar a R$ 3 com a intervenção do Banco Central, o câmbio flutuante foi decisivo para o equilíbrio das contas externas.

Só falta Lula dizer ao marciano que tal sucesso decorre de seus passeios no Aerolula.

Aliás, nunca um presidente passeou tanto!