Título: Em rascunho, OMC admite falta de acordo
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2005, Economia & Negócios, p. B4

Texto-base da reunião de Hong Kong admite necessidade de outro encontro em 2006; UE critica documento

Depois de centenas de reuniões e horas de negociações, a Organização Mundial do Comércio (OMC) apresentou ontem o rascunho da declaração de Hong Kong. Em um documento de 42 páginas, a entidade admite que não há acordo sobre quase nada e acata, de uma vez por todas, que o trabalho que deveria ser concluído em dezembro, na conferência em Hong Kong, terá de ser completada em um novo encontro em 2006. Mas nem mesmo a data dessa nova conferência, já chamada de Hong Kong II, está estabelecida no texto. "Espero que, a partir desse texto, os países possam chegar a algum progresso em Hong Kong", afirmou Pascal Lamy, diretor da OMC. Mesmo esse rascunho mínimo foi criticado pela União Européia. Em uma declaração escrita, o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, considerou que o rascunho de Lamy não propõe avanços suficientes na abertura ao comércio de bens industriais e serviços. "Agradeço o trabalho que Pascal Lamy fez nesta declaração, mas temo que não fará avançar as negociações sobre a reforma comercial", disse Mandelson. "Há progressos em Agricultura, mas não há resposta nos capítulos de bens industriais e serviços. Esta falta de equilíbrio constitui um problema real, que é necessário resolver em Hong Kong."

A conferência de Hong Kong ocorre a partir do dia 13 de dezembro e teria como objetivo fechar um acordo sobre o ritmo da liberalização dos mercados agrícolas e industriais. Mas, sem um acordo entre os países, a opção de Pascal Lamy foi entregar ontem um texto que apenas reconhece as divergências entre os países. O documento terá de ser aprovado na próxima quarta-feira, em Genebra, para ser enviado à Hong Kong e ratificado pelos ministros. Nos próximos dias, porém, os debates em Genebra prometem ser intensos e ontem mesmo os países começaram a se reunir para fechar posições.

O Brasil parece ter saído satisfeito com o processo, embora critique o texto como "desequilibrado". "Não há surpresas e Lamy não tentou aproximar as posições dos países em nome dos governos. O rascunho apenas reflete o estado atual das negociações. Essa é a primeira vez que isso ocorre na OMC e acho que é um grande progresso. Se os governos não conseguem fechar um acordo, não faz sentido que alguém venha de fora e tente empurrar um entendimento", afirmou Clodoaldo Hugueney, embaixador do Brasil na OMC.

Hugueney afirma ainda que o texto precisa melhorar em áreas como agricultura e produtos industriais. "Mas é uma boa base", disse. O que o Brasil temia era que, como em outras situações, o diretor da OMC decidisse defender a posição dos países ricos e, mesmo sem um consenso, produzisse um texto com as propostas americanas, européias ou japonesas.

"O texto está baseado na realidade de nossa situação atual", disse Lamy aos governos. "Preferíamos ver um texto mais operacional, mas esse é o estágio em que estamos agora", completou, admitindo que o texto é desequilibrado.

Para outros embaixadores, o texto é apenas o início do debate. "Isso é o mínimo que devemos aprovar", afirmou um diplomata suíço. "A criança nasceu e está abaixo do peso. Agora precisamos alimentá-la", afirmou o embaixador do Uruguai na OMC, Guillermo Valles.

Lamy espera que consultas com países durante o fim de semana possam lhe dar novas orientações para que produza um novo rascunho da declaração de Hong Kong antes da conferência.

O rascunho da declaração reafirma a vontade dos países em concluírem a rodada em 2006 e colocar a questão do desenvolvimento no centro das negociações. A retórica, porém, não sobrevive às indefinições. No texto, Lamy admite que muito deve ser feito nas negocições agrícolas e que as fórmulas para determinar como ocorrerão os cortes de tarifas e de subsídios não conseguirão ser fechadas em Hong Kong. Uma data terá de ser encontrada até a reunião do final do ano para o estabelecimento dessas fórmulas em 2006. Há divergências: o Brasil quer cortes de 54% nas tarifas de importação de produtos agrícolas, enquanto os europeus aceitam apenas 39%.

Para produtos industriais e serviços, a OMC também indica que não haverá possibilidade de um acordo em Hong Kong e que decisões deverão ser tomadas em 2006. Mas, assim como no caso da agricultura, nenhuma data foi estabelecida.