Título: O tardio apoio americano aos agricultores
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2005, Economia & Negócios, p. B11

População dos EUA começa a valorizar os produtos das pequenas e médias fazendas, que estão em franco declínio

No Dia de Ação de Graças, houve algo a que realmente devemos ser gratos: cada vez mais americanos - pelo menos 250 mil deles em Nova York em uma só semana - compraram seus perus e batatas doces em mercados de agricultores locais. Porque o alimento é mais fresco, menos processado e normalmente tem melhor sabor do que o encontrado nos supermercados. Há algo de considerações políticas e sociais aí: os consumidores acreditam que apoiar os pequenos produtores ajudará a preservar a agricultura, reduzir o número de fazendas industriais e a nos manter distantes de uma economia agrícola que encoraja a produção de commodities como milho, soja e açúcar às custas de quase tudo mais.

Essas pessoas estão certas. E também erradas. A amarga verdade é que a agricultura americana - a terra e o sistema extremamente complexo de distribuição - já não está nas mãos do pequeno produtor. Pequenos produtores e mercados de produtores agrícolas simplesmente não estão em condição de salvar a agricultura americana.

Os grandes produtores também não, claro. Na maior parte, essas são as fazendas que cultivam uma só cultura ou criam várias espécies de animais em confinamento. Para sustentar sua existência não natural, essas megafazendas, na cultura de sementes ou criação de animais, exigem quantidades enormes de pesticidas, fertilizantes e antibióticos para sobreviver. Resultado? Poluição, erosão e doenças que se espalham facilmente entre animais imunodeficientes criados em confinamento.

Infelizmente, essas fazendas não desaparecerão. Em uma lógica perversa que desafia a natureza, uma fazenda precisa se tornar cada vez maior e mais especializada para sobreviver. O número de fazendas com vendas anuais acima de US$ 500 mil aumentou 23% de 1997 a 2002. A política agrícola americana, com um deslumbrante menu de subsídios, nos manterá nesse rumo no futuro previsível.

A resposta a esse quebra-cabeça agrícola está em algum lugar intermediário. Na verdade, está bem no meio, nas 350 mil fazendas de tamanho médio do país. Esses agricultores - grandes demais para vender diretamente nos mercados agrícolas diretos locais e pequenos demais para competir com as fazendas industriais subsidiadas - cultivam mais de 40% de nossas terras produtivas.

Eles tendem a ser altamente eficientes na administração da terra, com conhecimento íntimo de suas fazendas e suas comunidades. Eles são pequenos empresários - não corporações - e têm provas de seus interesses em proteger não só a saúde econômica da terra, mas também sua saúde ecológica.

Infelizmente, esses agricultores também estão a caminho de desaparecer. As fazendas de tamanho médio, com vendas de US$ 50 mil a US$ 500 mil, estão em rápido declínio. Segundo o governo, o número dessas fazendas caiu 14% de 1997 a 2002, uma perda líquida de quase 65 mil fazendas. Segundo Fred Kirschenmann, do Leopold Center for Sustainable Agriculture, em Iowa, não é difícil imaginar que a maioria das fazendas de tamanho médio terá desaparecido em mais uma década.

Por que deveríamos nos preocupar? Porque nossas formas de plantio estão intimamente ligadas às formas destrutivas como estamos comendo.

Pense no seu supermercado local. Há produtos frescos no perímetro: mas aventure-se nos corredores das prateleiras e você se verá cercado por alimentos processados, enlatados, preservados e congelados.

Pode parecer um mundo de variedade, mas olhe mais de perto. Cookies, barras de cereais, bolachas salgadas, chips, molhos para saladas, comidas para bebê têm todos algo em comum: são feitos de derivados do milho, soja e açúcar. Cerca de 70% da terra agrícola no Meio Oeste são destinados a essas culturas.

As fazendas que cultivam essas commodities têm, em média, 5.600 hectares. E o futuro? Thomas Dorr, subsecretário de Agricultura para questões rurais, prevê que as gigantes com 100 mil hectares dominarão a agricultura. Se isso acontecer, o número de fazendas no Estado natal de Dorr, Iowa, cairá de 89 mil para 120. Isso não deveria ser surpresa. Cresça ou desapareça é o que os agricultores ouvem há décadas. E as grandes fazendas trouxeram um grande benefício: alimentos baratos. Os americanos gastam uma fatia menor da renda em alimentos do que qualquer outro povo no mundo desenvolvido. Mas essas poupanças são ilusórias.

Algo interessante aconteceu no caminho para nosso sistema de alimento barato. Os livros de contabilidade eram manipulados num tipo de jogo de lançamento no estilo Enron. O custo real dessas monoculturas não era contabilizado corretamente: os subsídios financiados pelo contribuinte (US$ 143 bilhões na última década), a injustiça que resulta quando nossa produção excedente é despejada nos países em desenvolvimento que não conseguem então desenvolver seus próprios recursos, os efeitos ambientais dos pesticidas - e por aí vai.

As propriedades de médio porte têm o potencial de ser lucrativas sem esses custos ocultos. Afinal, há um mercado amplo - sistemas de escolas, hospitais, redes de mercearias, distribuidores de serviços alimentícios - para alimentos diversificados e mais saudáveis. Essas instituições, por causa de seu tamanho, não podem comprar nos mercados de venda direta. Mesmo que pudessem, nunca haveria volume suficiente ou consistência para atender a suas necessidades.

Os produtores de médio porte podem atender a essas necessidades. Eles podem estar presos agora no jogo das commodities - tentando se expandir, tentando se manter focado na monocultura -, mas isso ocorre amplamente porque é aí que estão os incentivos. Precisamos encorajar esses agricultores a fazer o que eles fazem melhor: cultivar uma variedade de culturas, criar uma variedade de animais, resistir à tentação de crescer demais.

Como? Mudando a direção do dinheiro. O governo subsidia hoje a produção de grãos como commodities - a maior parte milho e soja. Precisamos tirar os agricultores da armadilha da commodity e ajudá-los a fazer a transição para cultivar todos os tipos de alimentos - frutas e legumes - que beneficiarão todos. Isso não é um outro subsídio, e não é previdência. É investimento inicial numa nova fronteira (na verdade, uma velha fronteira) em agricultura.

Não se engane: essa mudança exigirá que mudemos hábitos. Teremos de apoiar uma dieta que contenha menos alimentos processados, baseados em commodities. Teremos de pagar mais pelo que comemos. Teremos de discutir com os que questionam se é prático reduzir subsídios para grandes produtores e produtores de alimentos. E teremos de recompensar os produtores por cultivarem o alimento que queremos para nossos filhos.

Essas recomendações podem parecer ousadas ao ponto da audácia. Mas serão? O que pode ser mais audacioso do que grandes porções de nossas terras cobertas por fazendas de 100 mil hectares?

*Dan Barbe é chef do Blue Hill em Stone Barns e diretor de criação do Stone Barns Center for Food and Agriculture