Título: É uma 'escravidão sutil', constata a Pastoral
Autor: José Maria Tomazela
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2005, Economia & Negócios, p. B15

Estudo da USP propõe uma série de medidas para melhorar a situação dos cortadores de cana em SP

"Abrimos os olhos muito tarde", constata a missionária irmã Inês Pacioli, da Pastoral dos Migrantes Temporários de Guariba. Ela lamenta que a sociedade tenha se mobilizado na defesa dos cortadores só após as mortes. No ano passado, a Pastoral visitou 72 alojamentos nos canaviais e classificou a situação dos migrantes como "escravidão sutil". As condições de alimentação e higiene foram consideradas "precaríssimas". O relatório, elaborado com apoio de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), conclui que, na década de 70, um trabalhador cortava 8 toneladas de cana por dia. Hoje, a média diária é de 12 toneladas e a renda, de R$ 2,40 por tonelada. A socióloga da USP, Maria Aparecida de Moraes Silva, que há 30 anos pesquisa o setor, apurou que um trabalhador desfere em média 9.700 golpes de facão por dia e perde de 12 a 15 litros de água. Os nutrientes que saem pelo suor não são repostos. Sol e calor, mais as botinas, chapéus, caneleiras e luvas - equipamentos de proteção obrigatórios - contribuem para a desidratação.

As propostas discutidas em audiências públicas incluem reduzir a jornada máxima para 6 horas sem redução do salário-base, instalar balanças nos canaviais para que o cortador acompanhe a pesagem, ou pagar pela hora trabalhada sem exigência de produção. As metas estabelecidas pela usina levariam o trabalhador a se exceder. Mas o presidente do Sindicato dos Empregados Rurais de Guariba, Wilson Rodrigues da Silva, lembra que às vezes é o "gato" que estica o trabalho para aumentar sua comissão.

O dirigente da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (Abrandh), Flávio Luís Valente, acredita que pode haver uma causa química relacionada com as mortes. Ele pediu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) investigação sobre aplicação de agrotóxicos, 30 dias antes da colheita. "Pode ser que, além da fuligem, o cortador esteja inalando resíduos desses produtos."

Outra proposta, o aumento na mecanização dos canaviais, é polêmica. No Estado, apenas 30% das culturas são colhidas por máquinas. Na zona de Ribeirão Preto, o índice passa de 40%. Cada colhedora substitui, num dia, o trabalho de 105 homens. O corte movimenta anualmente 250 mil trabalhadores em São Paulo e haveria desemprego. "Como não temos toda mão de obra, as usinas trazem de fora", diz Silva.