Título: Desenvolver vacina requer o estudo de mais de 5 mil genes
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2005, Vida&, p. A32

Por isso é tão difícil acabar com a doença, explica criadora de fundação internacional

A americana Mary Galinski, de 48 anos, é o que se pode chamar de cientista engajada. É professora de medicina na Universidade Evory, em Atlanta, desenvolve diversas linhas de pesquisa para melhorar a compreensão sobre a doença, inclusive com possíveis caminhos para a criação de vacinas, e lançou a Fundação Internacional de Malária, organização não-governamental para estudar a doença, estimular o debate e difundir métodos e conhecimento. Ela conta por que a malária é uma das patologias mais difíceis de serem atacadas e afirma que as estimativas difundidas pela Organização Mundial da Saúde ¿ 300 a 500 milhões de novos casos por ano ¿ podem estar subestimadas.

Por que é tão difícil acabar com a malária no mundo?

Por causa da complexidade do parasita. Para fazer uma vacina, é necessário estudar mais de 5 mil genes, que expressam o mesmo número de proteínas. Então saber exatamente qual pode ser usada é complicado.

No Brasil, as longas distâncias são uma barreira ao controle da doença. O mesmo acontece em outros países?

Já trabalhei na Amazônia e sei que há longas distâncias a serem percorridas para alcançar as comunidades ribeirinhas e suas casas e também é difícil para as pessoas chegarem às clínicas para obter tratamento. Sempre conversamos com estudantes de outros países, como os da África, sobre como é sua realidade. Todos estão preocupados pelo mesmo motivo: os números que são divulgados de quantos são infectados e morrem de malária são mais baixos do que a verdade. Acontece que as pessoas viajam grandes distâncias para ir a clínicas, para tratar seus filhos, e não é raro uma criança morrer a caminho da clínica. Se isso acontece, a mãe simplesmente dá meia-volta e retorna para sua vila para enterrar o filho.

A sra. acredita que alguns países da África possam divulgar um número maior do que o real para obter ajuda financeira internacional?

Em alguns casos, talvez, mas acho que de forma geral não. Alguns países maquiam os números porque não querem parecer que não cuidam de sua população. Então, repetindo, não sabemos com certeza quantos são os casos. Eu acho que é mais do que é divulgado, por causa das histórias que escutamos no campo. Nem todos os casos são registrados e passados oficialmente para e pelo governo.

Uma vacina resolverá o problema?

Se fizermos uma vacina para apenas um dos quatro tipos de parasita, sobre o qual se concentram os esforços, o Plasmodium falciparum, por ser o mais letal, ela não vai ser efetiva contra os outros três tipos. Eles são muito diferentes e evoluem continuamente. A maior parte dos anticorpos contra o P. falciparum não reconhece as proteínas produzidas pelo P. vivax, o P. malariae e o P. ovale. Quando escutamos sobre novas vacinas e promessas, temos de ver contra qual plasmódio ela vai atuar. No Brasil, por exemplo, 80% dos casos são causados pelo vivax, então uma vacina contra o falciparum não vai ajudar.

Se os parasitas são tão diferentes, o dinheiro hoje investido no desenvolvimento de vacinas é suficiente?

Você tem quatro tipos de plasmódio, cada um com um conjunto de 5 mil genes. Claro que há algumas similaridades entre os genomas, mas há muitas diferenças. O dinheiro atualmente disponível basicamente prevê a pesquisa em malária de forma geral, mas a ênfase é no Plasmodium falciparum, pouca no vivax porque ele não mata com tanta freqüência e não é dominante na África, onde está a grande epidemia. E há muito menos pesquisa sendo feita sobre os outros dois tipos de plasmódio. Acho que podemos aplicar melhor a verba pensando na malária como um todo. Podemos fazer muito mais pela área com um entendimento global do genoma, das proteínas, da biologia do parasita, de como usamos as defesas do corpo. Na pesquisa, podemos cobrir mais ângulos para conhecer todas as proteínas, quais são realmente as melhores, quais não são, como combiná-las e administrá-las. Além disso, só agora os cientistas tentam repercutir a mensagem de que a vacina contra um tipo não será efetiva para os outros três e também precisamos de mais dinheiro para estudar o P. vivax. Só com uma grande massa de informações podemos entender como ele funciona, como deve funcionar uma vacina contra ele e avançar.

O Brasil começa a acordar para a questão dos assintomáticos (infectados que não têm sintomas e são fonte de contaminação sem saber). Qual é o efeito desse grupo nas estimativas?

Isso é mais comum em grupos que estão na Amazônia há muito tempo, expostos por muitos anos. A não ser que se tire sangue de cada pessoa de uma área afetada e se faça o diagnóstico, em vez de lidar apenas com os casos em que os sintomas aparecem, o número estará subestimado. Enquanto isso, são reservatórios da doença. Essa situação não é exclusiva do Brasil, mas na África também é comum. Acredito que a maioria dos casos é de infectados que não se sentem doentes.