Título: Concílio fez a Igreja olhar para fora
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2005, Vida&, p. A29

Há quatro décadas, sua reunião mais importante provocou a maior abertura na teologia e na prática religiosa nos últimos cinco séculos

Na quinta-feira, o mundo católico comemora 40 anos do Concílio Vaticano II, o 21º e o mais recente da história da Igreja. Sua importância, no entanto, vai além de uma data redonda. Pode parecer estranho saber disso nos dias de hoje, em que a proibição de homossexuais no seminário é registrada por escrito por Bento XVI, mas o Vaticano II foi o que provocou a maior abertura na teologia e na prática religiosa nos últimos cinco séculos, desde o Concílio de Trento (ver quadro na pág. 30).

O concílio é a reunião mais importante da Igreja, quando todos os bispos são convocados para discutir dogmas. ¿Até o Vaticano II, os concílios se preocupavam em identificar o inimigo para ser combatido e saber quem seria excomungado¿, explica o teólogo Afonso Soares, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). ¿Pela primeira vez, uma reunião desse porte teve como foco principal o diálogo com o diferente.¿

Por ¿diferente¿ entenda-se tudo aquilo que existisse do lado de fora da Igreja. Outras religiões, por exemplo. Tradicionalmente, os católicos condenavam os judeus na oração da Sexta-Feira Santa. ¿Eterno e onipotente Deus, que não Vos afastais nem mesmo da perfídia judaica, escutai a nossa prece, a qual elevamos pela cegueira daquele povo, para que ele conheça a luz e se afaste das trevas¿, dizia a oração. Hoje, eles ainda são motivo de reza, mas de maneira bem diferente. O papa João XXIII, que convocou o concílio ¿ o encerramento foi feito por Paulo VI ¿ declarou que os judeus devem ser lembrados como irmãos mais velhos e manteve na oração apenas a frase ¿rezemos pelos judeus¿.

O leigo também deixou de fazer parte do ¿diferente¿ para a Igreja. ¿O concílio diz que ele não precisava mais de intermediários para se comunicar com Deus, bastava sua fé¿, conta Fernando Altemeyer, teólogo da PUC de São Paulo. Com isso, algumas barreiras são derrubadas, como o idioma das missas. Antes, eram em latim por obrigação. As igrejas também perderam imagens de santos.

¿A proposta do Concílio Vaticano II foi fantástica, revolucionária. Movimentos da Igreja, como a Teologia da Libertação, que se comunicou direto com o povo, discutindo a questão social e defendendo o pobre, surgiram graças a ele¿, diz Soares. ¿Idem para os carismáticos.¿

Na década de 80, a Teologia da Libertação foi condenada pelo próprio Vaticano, já no papado de João Paulo II. ¿Esse concílio deu espaço para o desconhecido, mas não o conhecia direito¿, continua Soares.

Para Altemeyer, há três grandes lacunas do concílio que hoje representam os maiores entraves no diálogo interno e externo da Igreja. Sexualidade é uma delas e inclui a admissão dos recasados nos sacramentos e o fim do celibato obrigatório para os padres. O concílio também deixou de lado o mundo das artes, de acordo com o teólogo. ¿Você vê a Igreja nas novelas, nas artes plásticas?¿, questiona. ¿A arte fala direto com o povo.¿ Outro interlocutor abandonado é a elite intelectual, incluindo cientistas. ¿Hoje, o que se vê é uma Igreja completamente despreparada para conversar sobre esses temas.¿