Título: `Ser seqüestrada é um choque total¿
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2005, Internacional, p. A27

Em meio a uma nova onda de seqüestros no Iraque, italiana relembra sua experiência nas mãos de insurgentes em um cativeiro

A jornalista italiana Giuliana Sgrena foi libertada em março, depois de passar um mês como refém no Iraque. Agora, uma nova onda de seqüestros atinge estrangeiros que trabalham no país do Golfo Pérsico. Sgrena conversou com a Der Spiegel sobre o terror, estratégias de sobrevivência e dinheiro de resgate. A sra. foi seqüestrada em Bagdá em 4 de fevereiro deste ano por um grupo autodenominado ¿Mujahedin sem Fronteiras¿. Qual foi seu primeiro pensamento quando isso aconteceu?

Não tive tempo de pensar em nada ¿ simplesmente tentei encarar a realidade do que acontecia comigo. Ser seqüestrada dessa maneira é um choque total e, no início, você não entende o que está acontecendo. Você fica totalmente horrorizada ¿ e com muito medo.

Como a sra. foi tratada pelos captores?

Como uma prisioneira. De um ponto de vista material, eu não podia reclamar ¿ havia bastante comida e até mesmo a medicação necessária. O pior era não ter nada para fazer ¿ ser obrigada a ficar simplesmente sentada ali, sem livros, sem jornais, sem caneta e papel para escrever.

As condições nas quais a sra. era mantida pioraram ao longo das quatro semanas de cativeiro?

Não. Não havia nenhum desenvolvimento gradual. Era apenas uma alternância constante entre a esperança de ser libertada e o medo de ser morta.

Como um refém deve se comportar no Iraque? Há algo que ele possa fazer para aumentar a probabilidade de sobreviver à provação?

É difícil dizer. Numa situação tão ameaçadora, os instintos assumem ¿ e cada pessoa reage de um modo. Algumas rezam, outras confiam em sua capacidade de analisar a situação e na lógica. Tentei seguir em frente lembrando sempre que havia pessoas lá fora tentando ajudar. Disse a mim mesma que outros reféns tinham sobrevivido em condições muito piores.

É uma vantagem para a refém alemã Susanne Osthoff ¿ seqüestrada há mais de uma semana com seu motorista iraquiano ¿ o fato de ela conhecer bem o Iraque, falar árabe fluente e ser convertida ao islamismo?

De fato, pode-se supor isso. Mas a britânica Margaret Hassan, da agência humanitária Care, tinha um perfil similar e mesmo assim foi brutalmente assassinada por seus seqüestradores terroristas em novembro do ano passado. O desfecho de um seqüestro depende em alto grau de quem são os seqüestradores.

Apesar de alguns jornais informarem o contrário, o governo italiano sempre negou ter pago resgate em seu caso. Qual a importância do dinheiro para quem faz reféns no Iraque?

Antes de tudo, não sei nada sobre nenhum dinheiro de resgate pago em meu caso. Em segundo lugar, esses seqüestros nunca envolvem apenas dinheiro. Sempre há também um elemento político. Fui libertada porque as negociações foram bem-sucedidas, porque havia pessoas fazendo lobby por minha liberdade e porque centenas de milhares foram às ruas em Roma pedir minha libertação e a da jornalista francesa Florence Aubernas. É isto que devemos fazer agora: agir e mostrar determinação.

A sra. pensa em voltar para o Iraque?

Para ser seqüestrada de novo? Não, claro que não.

Acredita que Susanne Osthoff foi descuidada demais ao ignorar ameaças a sua segurança e continuar trabalhando no Iraque?

É uma decisão muito pessoal. Eu nunca me permitiria julgar sua decisão de permanecer no país.

Como a sra. tenta superar o trauma do seqüestro?

É um processo que continuará por muito tempo. Apenas tento seguir adiante e enfrentar meus medos. Mas uma coisa está clara: minha vida é completamente diferente do que era antes do seqüestro.