Título: Bachelet revoluciona política chilena
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2005, Internacional, p. A23

Nas eleições presidenciais do próximo domingo, a pediatra e militante socialista, separada e com três filhos, é a franca favorita

SANTIAGO - Michelle Bachelet era uma estudante de medicina de 23 anos no Chile quando um grupo de militares invadiu sua casa. Bachelet e sua mãe, Angela Jeria, foram seqüestradas. Era janeiro de 1975 e os oficiais da polícia secreta chilena reprimiam protestos e eliminavam civis sob as ordens do ditador militar Augusto Pinochet. Bachelet, uma estudante politicamente ativa, era um dos milhares de acusados de ser inimigo do novo regime. ¿Eles colocaram fitas adesivas e óculos escuros sobre nossos olhos. Não podíamos ver¿, conta ela em seu escritório no centro de Santiago. ¿Eles me torturaram e me bateram. Mas não me colocaram na `parillada¿ (mesa de metal usada para torturar prisioneiros com eletricidade)¿ Em um quarto próximo, sua mãe foi torturada do mesmo modo e mantida quase uma semana sem comida ou água.

Graças a conexões familiares com oficiais militares de alto escalão, ambas as mulheres foram poupadas e mandadas para o exílio na Austrália. Após cinco anos, Bachelet voltou ao Chile e começou a atuar clandestinamente como ativista de direitos humanos.

Hoje, aos 54 anos, essa pediatra é a política mais admirada do Chile, franca favorita para a eleição presidencial. As últimas pesquisas a mostram 16 pontos à frente do rival mais próximo. Candidata do Partido Socialista Chileno, Bachelet é forte aliada do altamente popular presidente Ricardo Lagos e, com um cenário social de calma e uma economia em ascensão, estima-se que será eleita facilmente ¿ se não no primeiro turno, no próximo domingo, no segundo, em janeiro.

Se as previsões se confirmarem, essa mãe separada, com três filhos, vai enterrar séculos de tradições políticas no Chile e na América Latina. Bachelet seria a primeira mulher eleita presidente de um grande país sul-americano. ¿As pessoas vêem que sou mãe e dona de casa. Hoje, no Chile, um terço dos lares são comandados por mulheres. Elas acordam, levam as crianças para a escola, vão trabalhar¿, diz. ¿Para elas, sou a esperança.¿

A candidatura de Bachelet já impulsionou as questões da saúde e do trabalho das mulheres para a frente do palco político. Seu adversário direitista Joaquin Lavín propôs que as donas de casa recebam pensão quando completarem 65 anos, e agora Santiago está coberta de fotos de candidatas que esperam pegar carona nesta tendência.

¿Michelle nos faz acreditar que fizemos isso conjuntamente, que ela é apenas mais uma na equipe¿, diz Teresa Boj Jonas, nutricionaista que trabalhou com ela no Ministério da Saúde. ¿Outro dia, fui a uma festa com 15 mulheres e 10 homens. Estavam todos falando de Michelle e sua mágica. Ela está despertando a idéia de que precisamos de um novo estilo de política, não confrontacional. Ela gera confiança.¿

A confiança de aço exibida por Bachelet foi aperfeiçoada em um dos governos mais brutais do continente, o regime militar de 1973 a 1990, liderado por Pinochet, que matou aproximadamente 3 mil civis chilenos. Em muitos casos, os corpos eram jogados de helicópteros no Oceano Pacífico. Um dos ¿desaparecidos¿ foi o então namorado de Bachelet, Jamie Lopez, torturado durante semanas até revelar os nomes de guerrilheiros da resistência contra a ditadura.

Bachelet, no entanto, não cedeu. Ela manteve segredo e saiu fortalecida da experiência. A partir do momento em que foi para o exílio na Austrália, Bachelet lutou pela democracia.

¿Percebi que uma das barreiras para a democracia total era a falta de entendimento entre o mundo militar e o mundo civil¿, diz Bachelet. ¿Eles falam línguas diferentes. Eu queria ajudar com isso. Eu poderia ser uma ponte entre esses dois mundos.¿ Seu trabalho levou a um governo surpreendente. Em 2002, ela foi nomeada ministra da Defesa. Nunca uma mulher assumira este posto na América do Sul. Agora, ela estava comandando o mesmo Exército que ordenou a morte de seu pai, de seu namorado e de amigos.

Como Bachelet equilibra o fato de ser uma mãe separada com uma carreira que exige muito? ¿Você está em uma reunião e depois lhe dizem que seu filho ligou e precisa de papel manteiga para o trabalho de escola. Não dá para cancelar a reunião, mas depois de um dia estafante, vai até o supermercado comprar material¿, explica a candidata.