Título: O PT depois da plástica
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2005, Notas e Informações, p. A3

Quando o escândalo do mensalão derrubou, entre outros, o dirigente petista José Genoino, e o presidente Lula tirou do Ministério, para substituí-lo interinamente, o titular da Educação, Tarso Genro, o partido vestiu luto. Embora os membros remanescentes da cúpula da agremiação se entregassem a contorcionismos semânticos para não chamar as coisas pelos seus nomes - exemplo disso foi o eufemismo "erros", em vez de ilícitos ou culpas, como seria honesto dizer -, Genro chegou a pregar a "refundação" da legenda. Era o seu mote para habilitar-se ao lugar de Genoino, pelo Campo Majoritário, na eleição interna marcada para novembro. A essa ambição precisou renunciar ao ficar claro que, diferentemente do que propusera em público, o ainda deputado José Dirceu não seria impedido de integrar a mesma chapa no pleito para o diretório nacional. Desde então, os hierarcas do PT passaram a sacudir a poeira dos seus desvios éticos e dar a volta por cima. Não só o discurso da refundação caiu em desuso - ou caiu no processo, como diziam os bolchevistas dos camaradas expurgados -, como ainda o partido voltou a vestir vermelho. Tendo reduzido ao pecadilho venial do caixa 2, com o endosso do presidente Lula, todo o esquema de suborno de deputados e tendo escolhido o ex-tesoureiro Delúbio Soares como o seu bode expiatório, decidiram trocar o sudário de pecadores arrependidos, que mal chegaram a usar, pela túnica inconsútil de alvos de uma conspiração das elites. De fato, o PT deu de falar aos brasileiros - e aos militantes que porventura ainda não tenham entendido o espírito da coisa - o seguinte: a direita e a grande imprensa usam os atos solitários de um companheiro equivocado para tentar nos destruir.

Numa variante do "querem me cassar pelo que represento", de José Dirceu, a patranha afirma que o projeto de aniquilar o partido é indissociável de sua trajetória desde que surgiu. Se a reação tem hoje ânimo redobrado é porque, no poder e na pessoa do presidente Lula, o PT vem fazendo pelos pobres mais do que qualquer outro governo da história nacional - e mais fará se em 2006 o povo lhe der mais quatro anos no Planalto. O espetáculo da vitimização foi encenado sem cortes em um ato em defesa do mandato do deputado João Paulo Cunha e no 16º encontro estadual do partido, em São Paulo, no último fim de semana. O ponto alto do primeiro evento foi a beatificação do ex-deputado José Dirceu. Do segundo, o reaparecimento de José Genoino, que disse em discurso aplaudido de pé que a crise o ensinou que o aprendizado é infinito, seja lá o que isso queira dizer.

Enquanto a mídia conspiratória registrava que a Receita fez uma blitz nos livros da legenda - levando cópia da prestação de contas de 2001 e exigindo os seus balancetes mensais de 2000 a 2004 - e revelava que em maio o PT pagou em dinheiro, decerto com "recursos não contabilizados", R$ 1 milhão dos mais de R$ 12 milhões de que a Coteminas, do vice José Alencar, diz ter a receber (em valores atualizados) pela venda de 2,75 milhões de camisetas de propaganda eleitoral no ano passado, os petistas paulistas aprovaram uma resolução que é a cara do partido - depois da sua plástica. Ela absolve, por definição, os cinco deputados da sigla contra os quais foi aberto processo no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar (abastecimento no valerioduto, conforme apurado pela CPI dos Correios).

O texto determina que é "tarefa fundamental para todo o partido lutar contra as cassações", em especial de João Paulo, do Professor Luizinho e de José Mentor - o da CPI do Banestado. E aí a santa ira se derrama por todos os lados: "A mobilização popular (...) é fundamental para barrar não só outras cassações, como também até mesmo evitar que propostas reacionárias da direita, como cassar o registro do PT, ou mesmo o impeachment do presidente Lula, possam prosperar." Nem uma coisa nem outra estão no horizonte. A primeira, porque depende de provas cabais de que o partido recebeu dólares de Cuba. A segunda, por evidente falta de condições políticas. O PT sabe disso, evidentemente. A convocatória é apenas a prévia de uma arregimentação para a campanha reeleitoral. Só que esse palavrório não consegue desmentir a primorosa avaliação da ex-petista Luciana Genro (filha do ex-ministro), hoje no PSOL: "O PT dizia que era melhor que os outros partidos. Hoje tem de provar que não é pior."