Título: CPI radical e inútil
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2005, Notas e Informações, p. A3

Se as CPIs, de um modo geral, podem ser mais do que embates político-ideológicos e eleitorais, entre partidos e grupos, quando fazem sugestões concretas de aperfeiçoamento de legislações e procedimentos em torno dos temas para os quais foram constituídas, ao descambarem para o puro radicalismo, de posições inconciliáveis, acabam resultando apenas numa custosa inutilidade - custosa, sim, porque desperdiça recursos públicos e desvia parlamentares de funções mais importantes (presumindo que de fato as tenham). Este foi, precisamente, o lamentável desfecho da CPI da Terra, que de tão confusa chegou a ser apelidada de CPI da Terra de Ninguém (e podíamos sugerir "CPI da Terra Arrasada").

Primeiro o relator da CPI, deputado João Alfredo (PSOL-CE), apesar de apresentar, como relatório, um cartapácio de 774 páginas, chegando a discutir problemas dos tempos das sesmarias, ao tratar da violência no campo atribuiu-a tão-só aos fazendeiros, vendo nas ações do Movimento dos Sem-Terra (MST) e assemelhados apenas a luta fundiária legítima, sem qualquer desrespeito à lei - como se legítimas fossem as invasões de propriedades, vandalismos contra suas sedes, devastação de plantações, matança de animais, lesões corporais e cárcere privado imposto a empregados rurais, etc. Indiciamento por crimes praticados o relator só pediu para o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia.

É claro que esse radicalismo só poderia despertar uma reação igualmente - se não mais - radical por parte dos ruralistas, cujo líder naquela CPI, deputado Abelardo Lupion (PFL-PR), fez um relatório alternativo, que acabou se tornando vitorioso num colegiado em que a bancada ruralista é majoritária. Assim, o relatório de João Alfredo foi rejeitado e aprovado foi o de Lupion. Neste foi sugerido o encaminhamento ao Congresso Nacional de um projeto de lei que considera a invasão de terras "crime hediondo" e os invasores praticantes de "ato terrorista". Também foi sugerido, ao Ministério Público, que considere como "única entidade" o MST, a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca) e a Confederação das Cooperativas da Reforma Agrária do Brasil (Concrab). É que, tendo optado (desde sua criação, em 1984) por não ter personalidade jurídica (quer dizer, existência legal), o MST nunca pode ser responsabilizado, materialmente, pelos danos que costuma causar (e tantos são!), embora consiga obter o repasse de recursos públicos por meio daquelas entidades (Anca, Concrab), que representam seus braços de sustentação "legal". Pela sugestão, os prejuízos causados pelo MST poderiam ser ressarcidos com recursos obtidos por aquelas entidades "oficiais" emessetistas.

Para se avaliar o grau de radicalismo, de parte a parte, dos membros da CPI da Terra, bastaria dizer que foi a senadora Heloisa Helena (PSOL-AL) quem se saiu como a grande conciliadora da comissão (sim, ela mesma!). Foi graças a ela que foi retirado, do relatório de Lupion, um pedido de imediata suspensão de repasses de verbas às cooperativas do MST que teriam cometido irregularidades com a União, segundo revelam auditorias (ainda não concluídas) do Tribunal de Contas da União (TCU). Também a senadora contribuiu para que fossem retirados pedidos de indiciamento de quatro coordenadores nacionais do movimento, a saber João Pedro Stédile, Gilmar Mauro, João Paulo Rodrigues e Jaime Amorim, além do líder José Rainha Junior - permanecendo o pedido em relação a José Trevisol, Pedro Cristóffoli (Anca) e Francisco Dal Chiavon (Concrab).

O clima de radicalismo dessa CPI foi bem sintetizado pelo arroubo descabelado e histérico da senadora Ana Julia Carepa (PT-PA), que aos gritos chamava de assassinos os proprietários de terras e, rasgando cópia do relatório final aprovado, bradava: "Vou me retirar, porque não serei cúmplice de assassinato" - no que foi seguida por seus companheiros. Enfim, terá dado essa CPI, com seu radicalismo inútil, alguma contribuição para a ordenação da questão fundiária ou agrária do Brasil?