Título: O mercado de dívida nas PPPs
Autor: Luiz Guilherme Piva
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2005, Economia & Negócios, p. B5

A análise de algumas experiências internacionais (Chile, México, Portugal, Irlanda, Inglaterra e África do Sul) de Parcerias Público-Privadas (PPPs) nos traz lições importantes, sejam positivas ou negativas. O caso do Chile é o de maior sucesso e também o de maior analogia com o desenho possível do programa no Brasil. Lá, a experiência concentra-se no setor de transportes, sobretudo rodovias, e conta com vários dos requisitos necessários à solidez do programa. São eles: planejamento e qualificação do setor público; análise e debate com os atores envolvidos nos projetos; divisão apropriada dos riscos entre os parceiros público e privado; competitividade nas licitações; quadros político-institucional e jurídico-regulatório adequados; e, destacadamente, mercado de capitais desenvolvido.

O Brasil não faz feio em muitos desses aspectos, apesar da fundamental diferença que temos em relação ao Chile no que toca ao histórico de avaliação de risco por parte dos investidores. O Chile é investment grade e o Brasil carrega o ônus de circunstâncias de incerteza no passado recente. Mas, analisando-se a evolução econômica e política dos últimos anos, é inegável nossa melhoria real e aos olhos dos investidores.

No que tange às PPP, hoje dispomos de legislação adequada - talvez, a mais moderna entre as dos países citados -, de regulação atualizada em muitos setores (embora em alguns, como o saneamento, ainda estejamos muito incipientes), de estabilidade macroeconômica, de diagnóstico acurado das necessidades e possibilidades de investimentos no setor de infra-estrutura e de decisão dos atores de participar do programa.

Falta-nos, porém, superar a barreira do advento de um mercado de capitais mais amplo e mais sofisticado para viabilizar os mecanismos de financiamento e operacionalização dos investimentos em PPP. Pelo longo tempo em que temos ficado presos ao curtíssimo prazo, às altas taxas de juros reais e às dificuldades cotidianas para a sustentação das empresas, nosso histórico é predominantemente caracterizado pelas aplicações em renda fixa e pela captação de recursos para capital de giro. Praticamente inexiste fomento significativo e duradouro para o médio e o longo prazo.

Isso é crucial para as PPPs, que são, na experiência internacional, e o serão também no Brasil, estruturadas na modalidade de project finance (em que o próprio projeto garante e alavanca os capitais aportados) e voltadas a projetos green fields (em que se começa do zero). Em geral, nos demais países, os investimentos em dívida (debt) nos projetos montam cerca de 80% e são usados pelos bancos (comerciais e de fomento), pelas agências multilaterais e pelos fundos de pensão, refratários à participação via equity.

O Chile obteve sucesso na viabilização desses investimentos ao lançar os chamados "bonos de infraestructura", títulos de longo prazo (média de 19 anos) e prêmio médio de 1,6 ponto porcentual sobre o título chileno (taxa média de colocação de 7,11%). Foram lançados mais de US$ 1 bilhão desses bonos, de 1998 em diante.

Esse é um mercado inexistente e que necessita ser criado no Brasil para canalizar os investimentos dos fundos, dos bancos e das agências para fazer deslanchar o nosso programa. Modernizações normativas são requeridas no mercado de capitais, assegurando compartilhamento de riscos, governança e previsibilidade para os investidores. O próprio mercado, com a redução paulatina dos juros reais, também tratará de engendrar os mecanismos procurados pelos investidores. Mas nesses dois aspectos ainda avançamos pouco.

O Fundo Garantidor, recentemente regulamentado, é uma boa sinalização para o aperfeiçoamento desse mercado. Por estar bem estruturado e bem sustentado, desfruta de solidez e confiabilidade para dar plataforma à geração de investimentos. Não por assegurar supostas execuções de garantia quando se fizerem necessárias - ao contrário, se for preciso executar uma só vez o Fundo, acabará o programa de PPP no Brasil -, mas sim pelo selo que ele emite para que o empreendimento busque recursos e contragarantias nos mercados interno e externo.

Há uma série de necessidades e oportunidades de investimentos nos programas estaduais e federal de PPP. Os atores relevantes já se posicionaram para participar, sabendo que os juros futuros não lhes asseguram perspectiva de ganho expressivo no longo prazo. O Brasil corre para sanar seu déficit com o passado e se equipar no setor de infra-estrutura e logística para atender ao crescente mercado comprador de commodities aqui produzidas - sem esquecer nosso déficit com o presente e com o futuro (modernização produtiva, tecnológica e social).

Falta estruturar instrumentos de captação e aporte de recursos que dêem aos investidores formas de participar, sabendo quais são seus riscos e quais são os prêmios e punições pelo tempo e pela forma em que participam, com flexibilidade para eventualmente sair do empreendimento ou renovar, de maneira diversificada, sua participação nas fases posteriores (maturação, expansão etc.).

Esta é uma agenda a ser enfrentada no curto prazo.