Título: O mundo não vai esperar
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2005, Notas e Informações, p. A3

O desafio maior para a diplomacia econômica, nesta altura, é evitar o colapso da Rodada Doha de negociações comerciais. Com esse objetivo, ministros de Finanças, em Londres, e de Relações Exteriores e Comércio, em Genebra, decidiram realizar um esforço de última hora neste fim de semana. O ministro brasileiro da Fazenda, Antonio Palocci, foi para a capital britânica. O chanceler Celso Amorim, para a cidade suíça. O Brasil será um dos maiores perdedores se um novo impasse impedir a conclusão de um acordo em 2006. Será muito difícil manter esse prazo, se a conferência ministerial de Hong Kong, em dezembro, for um completo fracasso. Esse resultado será inevitável, se os principais negociadores decidirem, antes de embarcar, que nenhum avanço será possível nesse encontro. Do lado brasileiro, grupos de empresários, políticos e até diplomatas parecem haver concluído que esse fiasco será inevitável e bem-vindo.

A menos de duas semanas do início da conferência, marcado para dia 13, todos os participantes reduziram suas pretensões. Deveriam ser definidos nesse encontro os pontos de referência das principais negociações - o tamanho dos cortes de tarifas de importação, os prazos para eliminação de subsídios e o alcance das concessões comerciais de lado a lado. A partir desses pontos - "modalidades", na linguagem diplomática - os negociadores poderiam discutir, nos meses seguintes, detalhes do acordo final.

Mas não serão decididas modalidades importantes em Hong Kong. Dia 26, foi proposto novo rascunho para a declaração final da conferência. No texto, admite-se que falta muito para a definição daquelas condições. Os ministros devem comprometer-se a um trabalho mais intenso para resolver o assunto "não depois de...". A fixação do prazo ficou para Hong Kong.

Num dos anexos, o coordenador do Comitê de Agricultura afirma que seu relatório é pessoal e não representa o consenso dos negociadores. É um bom indicador do muito que resta para ser decidido na rodada.

A tarefa é enorme e complexa, mas o reconhecimento de tantas limitações não implica a renúncia a todo esforço de entendimento em Hong Kong. Nesta segunda-feira, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, divulgou um texto sobre a importância da rodada para as economias em desenvolvimento.

"Nossa tarefa, no presente ciclo, consiste em garantir que a dimensão do desenvolvimento permaneça no centro das negociações", disse Lamy ao apresentar o documento.

Os autores do texto procuram responder aos que afirmam que a Rodada Doha deixou de ser a prometida Rodada do Desenvolvimento. Podem-se discutir detalhes dessa resposta, mas o fato politicamente importante é o reconhecimento de que é preciso recobrar os objetivos iniciais do ciclo de negociações lançado em 2001 na capital do Catar.

O esforço de Lamy representa, essencialmente, um apelo para que todos continuem a negociar com empenho, sem dar por perdida a reunião de dezembro.

Para alguns críticos do processo, não é só essa conferência que está condenada. Segundo o embaixador Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), os europeus preparam uma armadilha para as economias em desenvolvimento, pressionando-as a abrir seus mercados para produtos industriais e serviços em troca de concessões insignificantes no comércio agrícola. Entre os industriais, alguns advertem que não estão dispostos a pagar a conta de uma rodada sem resultados para o País.

É prudente, no entanto, levar em conta três pontos: 1) o Brasil não é apenas uma economia agrícola e seus setores industriais mais competitivos podem beneficiar-se de maior acesso a mercados importantes; 2) o Brasil, neste momento, pode contar com o apoio americano para pressionar os europeus a aceitar mudanças mais ambiciosas da política agrícola. Não se pode negligenciar essa coincidência de interesses; 3) se a Rodada Doha fracassar ou se estender por muito tempo, o Brasil ficará em posição desfavorável, pois não concluiu, nos últimos anos, nenhum acordo comercial importante e todas as negociações em que tem como parceiros os sócios do Mercosul estão emperradas. O mundo, não custa lembrar, não vai ficar parado à espera do Brasil.