Título: As eleições na Venezuela
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2005, Notas e Informações, p. A3

As eleições parlamentares de hoje, na Venezuela, não terão a participação dos principais partidos de oposição. Faltando cinco dias para o pleito, os três principais partidos de oposição - Ação Democrática, Copei e Projeto Venezuela - retiraram suas candidaturas. Logo em seguida, os partidos Primeiro Justiça e Um Novo Tempo também se retiraram da disputa. Da oposição disputam o pleito os partidos Movimento ao Socialismo e Causa Radical, além de três ou quatro pequenos partidos regionais. Com isso, a oposição, que tem hoje 79 deputados numa Assembléia de 165, deverá tornar-se numericamente irrelevante a partir das eleições de hoje. A desistência dos principais partidos de oposição não deixou de ser surpreendente. A aliança opositora havia imposto ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE), como condição para participar das eleições, a desativação de um programa de computador que associava a votação a um sistema de reconhecimento do eleitor, através de impressão digital, alegando que isso quebrava o sigilo do voto. O CNE se comprometeu a não utilizar o programa em questão, mas os partidos de oposição continuaram afirmando que o sistema de votação não é confiável e se retiraram do pleito.

A oposição venezuelana faz uma jogada de altíssimo risco. Segundo as pesquisas de opinião, os partidos que apóiam o presidente Hugo Chávez, que hoje tem 52% das cadeiras da Assembléia - ou seja, maioria simples -, elegeriam cerca de 70% dos deputados. A oposição, portanto, troca uma participação minoritária na Assembléia Nacional pela possibilidade de expor a ilegitimidade do regime bolivariano. Não parece que essa seja uma troca vantajosa.

Em primeiro lugar, porque a Venezuela está profundamente dividida - e os opositores de Chávez não precisam de mais demonstrações de que o regime é autoritário e o presidente procura se perpetuar no poder. Em segundo lugar, porque, com mais de dois terços da Assembléia Nacional e sem oposição parlamentar de vulto, Chávez poderá fazer as reformas que faltam para a consolidação de seu projeto, entre elas a instituição do partido único e reeleição ilimitada do presidente da República. Por fim, a opinião pública internacional não se mobilizará de forma duradoura contra Chávez, uma vez que ele continua respeitando os aspectos formais da democracia, embora já acumule uma soma de poderes inédita na história da Venezuela - que até fins da década de 1950 foi pródiga em ditadores.

Para ilustrar a ilegitimidade do processo político, os partidos de oposição contam com uma abstenção de mais de 80% dos eleitores. Ficaria demonstrado, assim, que a imensa maioria dos cidadãos não confia na lisura do processo eleitoral nem se sente corretamente representada na Assembléia Nacional, uma instituição do Estado bolivariano criada pela constituição chavista.

Seja como for, o coronel Hugo Chávez continua acossando a oposição. Nos últimos dias, passou horas em comícios e em redes de rádio e televisão para denunciar a retirada da oposição do processo eleitoral como uma tentativa de golpe de Estado, "ordenada" pelo presidente George W. Bush em represália à atuação de Chávez na Cúpula das Américas, em Mar del Plata. Como sabe que a oposição cantará vitória se houver abstenção recorde nas eleições de hoje, Chávez usou fartamente o mito da conspiração norte-americana para convocar "a mobilização permanente do povo em favor da soberania".

O fato é que o sistema político venezuelano está gravemente enfermo. O sistema bipartidário que funcionou durante quase 40 anos desmoronou em meio a desmandos e corrupção e foi substituído pelo "bolivarianismo" de um coronel golpista, cujo objetivo é exercer o poder absoluto. Os partidos de oposição não conseguiram organizar-se numa frente sólida e coerente. Mesmo quando formaram a efêmera coalizão - desfeita com a retirada dos cinco partidos da disputa eleitoral - não foram poucos os líderes partidários que ressaltaram o caráter circunstancial da aliança.

Enquanto a oposição se fragmenta, o Movimento Quinta República (MRV) de Chávez usa os velhos métodos do centralismo democrático. Para tornar-se monolítico, cerca de 20 deputados do MRV foram retirados da lista eleitoral que será sufragada hoje, porque demonstraram "questionável lealdade" ao coronel Hugo Chávez.