Título: Pilotos que controlam a Varig impedem a empresa de decolar
Autor: Irany Tereza, Alberto Komatsu
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2005, Economia & Negócios, p. B20

Solução para tirar a companhia da crise depende do afastamento dos funcionários do controle da Fundação Ruben Berta

RIO - Arremeter, em linguagem aeronáutica, significa interromper o processo de pouso por causa de alguma falha e inverter bruscamente a manobra, lançando o avião de volta para o alto. Nos últimos sete anos, a Varig vem se mantendo cambaleante no mercado e alternou tentativas de revitalização com dez diferentes executivos, mas foi "arremetida" um sem-número de vezes por sua controladora, a Fundação Ruben Berta. Sempre que começa a avistar sinais para uma aterrissagem segura, longe da crise, a companhia é jogada de volta à turbulência pelos curadores da FRB, que resistem a uma premissa básica de todos os planos de recuperação: seu afastamento do controle da companhia.

"O problema central é o modelo de governança. Os donos da Varig são os pilotos", resume José Roberto Mendonça de Barros, que presidiu o conselho de administração da companhia por quatro meses, em 2002. Na Varig, o conselho - órgão máximo de decisão em qualquer empresa - é subordinado aos curadores da FRB, sete funcionários eleitos por um Colégio Deliberante formado, por sua vez, por 142 funcionários, a maioria absoluta de pilotos.

De acordo com as mais recentes estatísticas do Departamento de Aviação Civil (DAC), referentes a 2004, a Varig tem um quadro de 1.923 pilotos para a frota de 78 aeronaves, o que corresponde à média de 25 pilotos por avião, muito acima do padrão internacional, que prevê entre 6 e 10 pilotos.

Considerando que não houve, do ano passado para cá, redução expressiva de profissionais e, em contrapartida, entre 15 e 20 aviões deixaram de operar por problemas de manutenção, a média da companhia chega à marca inacreditável de mais de 30 pilotos por aparelho, mais que o dobro das concorrentes diretas TAM (12 pilotos por avião) e Gol (15). Essa mão-de-obra qualificada da aviação responde pela maior parcela dos custos da companhia e é uma amostra do peso que impede a Varig de decolar.

Um dos últimos executivos a passar pela companhia revela que um piloto de vôos domésticos recebe, na empresa, entre R$ 8 mil e R$ 10 mil por mês; para vôos internacionais, entre R$ 15 mil e R$ 16 mil. Segundo ele, é 30% mais do que paga a Gol.

As empresas não confirmam os dados, alegando tratar-se de informações estratégicas. De acordo com o executivo, os salários são pagos por 72 horas mensais de vôo, independentemente de o profissional ter realmente tripulado ou não aviões durante esse período, o que traz o problema adicional da baixa produtividade.

Grande parte dos 156 pilotos da lista de demissões decidida no mês passado pela diretoria da Varig e suspensa dois dias depois era especializada nos jatos ERJ-145, da Embraer, que já não fazem mais parte da frota da Varig. "A maioria dos demitidos não voava", garante outro executivo que passou pela companhia.

Segundo ele, porém, não foi esse o principal motivo das divergências entre o grupo de executivos liderado por David Zylbersztajn e o conselho curador da FRB, presidido por Cesar Curi, que, antes de ocupar o cargo, era assessor da presidência da Varig Engenharia e Manutenção (VEM).

"A questão principal era a luta para manter o poder. Para a fundação, mais importante que salvar a empresa é preservar alguma participação. Quando viram que a solução estava próxima, mandaram representantes à TAP para tentar negociar diretamente a venda das subsidiárias", afirma o executivo, que preferiu manter o anonimato.

Mendonça de Barros confirma a resistência. "Volta e meia, ouvíamos declarações que soavam arrogantes, do tipo 'Quero ver quem vai ter coragem de deixar a Varig no chão'. Mas o que a fundação não percebe é que a empresa perde mercado a cada dia. Já teve 40% do mercado doméstico e hoje não passa de 26%. Era única a voar internacionalmente, mas a TAM e a Gol já estão nesse mercado. Tecnicamente, a Varig sempre foi uma boa companhia, mas está caminhando para um suicídio lento. Se quebrasse hoje, não teria a mesma conseqüência desastrosa", diz.

GÊNESE

Para entender o modus operandi da FRB, é preciso retornar no tempo ao ano de 1945, quando foi fundada, em plena vigência do Estado Novo de Getúlio Vargas, com a proposta revolucionária de dar aos funcionários poder decisório. Ruben Berta, então presidente da companhia, ele mesmo funcionário não acionista, propôs que a fundação fosse um meio de repartir os lucros da Varig com seus trabalhadores. Não se sabe bem como, mas ele convenceu os acionistas a doarem metade das ações para a entidade.

Com o decorrer do tempo, essa participação se ampliou para 87% do capital votante da empresa. O principal minoritário da companhia, com participação de 8%, é a Interunion, de Artur Falk, envolvido no escândalo financeiro do Papa-Tudo.

A mais recente intervenção da Fundação Ruben Berta afastando executivos que a própria instituição pôs no comando da empresa, teoricamente com carta branca para tocar o processo de reestruturação, foi há três semanas, quando os curadores destituíram um grupo de quatro executivos que haviam contratado seis meses antes. Além de Zylbersztajn (ex-diretor-geral da ANP), estavam Eleazar de Carvalho (ex-presidente do BNDES), Omar Carneiro da Cunha (ex-presidente da Shell) e Marcos Azambuja (ex-embaixador do Brasil na França).

Na primeira reunião para negociar o contrato, eles disseram ao quarteto que reconheciam não ter mais crédito no mercado e estavam buscando nos nomes desses profissionais um resgate da credibilidade.

A demissão dos quatro executivos, dias depois de terem conseguido equacionar o pagamento de uma dívida de leasing que ultrapassava US$ 60 milhões e ameaçava de arresto mais da metade da frota da companhia, pegou o mercado e os credores de surpresa. O episódio foi logo associado ao que ocorreu em 2002, quando Arnim Lore presidia a Varig e tentava o mesmo tipo de solução: redução do quadro de pessoal, transformação de parte do endividamento em participação acionária dos credores e, principalmente, o afastamento da Fundação Ruben Berta.

"As duas histórias (de Lore e Zylbersztajn) guardam enorme semelhança. Daí a minha completa desilusão com esse modelo de gestão. O controlador não pode fazer o que está fazendo; ele deveria se afastar", diz o presidente do fundo de pensão Aerus, um dos maiores credores da Varig, Odilon Junqueira, que foi diretor-administrativo da Varig na gestão Lore.

"A fundação não pode demitir a tripulação em pleno vôo", acrescenta. A maior parte das críticas aos curadores é que não são profissionais preparados para a gestão empresarial. Todos são funcionários de segundo, terceiro e quarto escalões, sem experiência de mercado financeiro ou empresarial. "A situação era esdrúxula: nós, diretores, estávamos subordinados aos nossos subordinados. Era como se, numa sala, você seja um presidente e, ultrapassando uma porta, receba ordens da moça que serve cafezinho", conta um executivo.