Título: Ciesp defende liberdade cambial para exportador
Autor: Sonia Racy
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2005, Economia & Negócios, p. B2

Em semana de queda do PIB, de Ata do Copom apontando para manutenção do conservadorismo do BC na gestão da política monetária, de disputas sobre metas primárias e fiscais, convidamos Cláudio Vaz, do Ciesp, para conversar sobre estes temas. Aqui vai parte da sua entrevista:

Por que um PIB tão baixo no terceiro trimestre? Trata-se de uma conseqüência natural de providências que priorizaram com muito rigor o controle da inflação. É fato que a inflação é o pior mecanismo para concentração de renda, mas o BC errou claramente na dose. Ao elevar e manter alta a taxa de juros, deixou de levar em conta duas questões. Primeira: o papel determinante das exportações hoje na demanda interna. Segunda: o fato de o crédito consignado ter criado novo nível de demanda. As duas demandas - uma garantida por contratos e outra por crédito barato - fazem com que o efeito do juro se dê em cima de um segmento menor da produção. E esse efeito demora mais para aparecer. Com isso, o BC elevou os juros em exagero, manteve isso e, quando o efeito da política monetária se fez sentir, veio acumulado com perda de dinamismo das exportações simultaneamente a certo esgotamento do crédito consignado. Isso gerou um terceiro trimestre pior que o imaginado.

Qual a tendência para o quarto trimestre? Outubro foi um dos piores meses do ano. Novembro começou mal, mas a partir do dia 10 observou-se reação mais ou menos geral, resultado natural a meses anteriores tão ruins. Agora, no começo de dezembro, sentimos uma atividade melhor e provavelmente teremos um quarto trimestre mais positivo.

O PIB brasileiro vai crescer 3% este ano? Muito difícil. Será preciso crescer algo como 4,3% no último trimestre. Mas não impossível. Até porque temos que considerar que os dados do terceiro trimestre são ainda provisórios. O IBGE, ao confirmá-los, pode promover algum ajuste nessa queda de 1,2%.

Há distorção nos números de agora? Temos, pelo menos, que considerar isso. Mas o negativo não vai se transformar em positivo, poderá ser apenas menos negativo.

A Ata do Copom fala sobre efeitos de estoques feitos pela indústria. O que o senhor tem a dizer sobre isso? Os estoques aconteceram sim, especialmente no fim de setembro e em outubro. Não foi proposital, mas resultado da travada do comércio nas compras programadas para esses meses, o que gerou algum estoque em determinados setores da indústria.

A simples mudança da política monetária faria o Brasil crescer? Não. É condição necessária, mas não suficiente. Temos que ter melhor qualidade do ajuste fiscal, que hoje permite crescimento de despesas correntes. O ajuste está se dando praticamente em cima dos investimentos. Estamos com uma infra-estrutura deteriorada e exaurida. O Brasil precisa da desoneração dos investimentos, que deveria ter sido concluída. Se não tivermos mudança de política monetária, ajuste fiscal de qualidade e mudança nas regras do mercado cambial, não vamos avançar.

Que tipo de mudança cambial? Dizem que o câmbio é flutuante, mas, do lado da oferta ao mercado, ele é contingenciado. O exportador não pode manter suas reservas em dólar; é obrigado a vender compulsoriamente. Por outro lado, temos um saldo de conta corrente forte sendo vendido compulsoriamente no mercado. Como qualquer outra mercadoria, se tiver oferta sem demanda, cai.

Qual seria a alternativa? Primeiro, permitir que os grandes exportadores mantenham dólares em seu poder. Alguém vai perguntar: para que fariam isso se é tão mais fácil aplicar em reais aqui a uma taxa de juros tão interessante? Simplesmente porque se mantiverem os dólares poderão estruturar operações de mercado internacional, o que vai tirar muito dessa pressão do câmbio.

Alguém já deu essa idéia ao governo? Muita gente. Acontece que a situação atual é confortável. Se o BC defende uma política de mercado, tem que dar liberdade ao exportador em um país que tem US$ 43 bilhões de saldo cambial e conta corrente positiva de US$ 14 bilhões. Por que alguém é obrigado a vender compulsoriamente suas moedas estrangeiras? Trata-se do produto de seu trabalho.

A inflação hoje está controlada? A inflação está controlada porque a demanda está fraca. Sem investimentos, em uma sociedade extremamente carente de produtos e serviços, qualquer melhoria da renda pode novamente se transformar em pressão sobre índices de preços caso não haja espaço de oferta. Por isso insisto: precisamos ter um projeto de desoneração do investimento e de política de investimentos.

Como o senhor avalia a atuação do ministro Palocci? Acho que é importante. Mas tenho divergências em relação às linhas de política monetária do governo, que está sendo feita em dose exagerada. Houve também um excesso de superávit primário ao longo deste ano, o que, junto com os juros e com a perda de dinamismo do setor exportador, contribuiu para queda do PIB. Por outro lado, a política econômica do governo dá uma garantia de que as linhas oportunistas não serão seguidas.

Mais inflação pode gerar mais crescimento? De jeito nenhum. Acredito que a estratégia das metas foi excessivamente ousada, poderia ter sido menos ambiciosa: o Chile demorou 10 anos para fazer o que o Brasil quis fazer em 4 anos. Agora, não dá para defender que inflação gera crescimento: ela é tóxica, um narcótico. Gera euforia momentânea e quem vai pagar o preço serão os mais pobres, com a concentração de renda.

O senhor é a favor de uma meta de superávit fiscal de 10 anos? Sou. O problema é que o diabo mora nos detalhes. A discussão que tem que ser feita é sobre a intensidade dessa meta. O uso de metas é boa metodologia, mas precisamos também de metas de investimentos, de prioridades para segmentos que geram empregos, que distribuem renda.