Título: Kirchner reforça lobby pela Venezuela
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2005, Economia & Negócios, p. B11

O presidente argentino, Néstor Kirchner, o chefe de Estado sul-americano mais vinculado ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, quer que a Venezuela - a generosa compradora de títulos da dívida argentina - faça uma entrada triunfal no Mercosul na reunião de de presidentes que será realizada na quinta e sexta-feira em Montevidéu, Uruguai. Ontem (segunda-feira), o Sub-Secretário de Integração Econômica da Argentina, Eduardo Sigal, anunciou que a Venezuela entrará com o status de "sócio pleno" do Mercosul. Desta forma, passaria a ser o quinta "estrela" da bandeira do bloco, com hierarquia similar à da Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. A idéia é defendida com ardor em Buenos Aires, mas não causa entusiasmo nas três restantes capitais dos atuais membros do Mercosul.

O governo Kirchner é definido pelos politólogos como o mais "chavista"

da região, mais por necessidades econômicas do que por afinidades políticas.

Sigal, que está em Montevidéu participando das reuniões preparatórias da cúpula, declarou à agência estatal argentina Télam que a aprovação da entrada da Venezuela como membro pleno acontecerá entre a quinta e sexta-feira, durante a reunião de presidentes. Segundo Sigal, "com a aprovação de membro pleno, será formada uma comissão que em um prazo inicial de 180 dias deve resolver os detalhes alfandegários e tarifários, entre outros, para que a Venezuela cumpra todos os requisitos" do Mercosul.

Sigal explicou que "na cúpula acontecerá a confirmação da Venezuela como membro pleno e se projetarão os passos concretos para fechar formalmente este capítulo".

Nos últimos meses, Kirchner, que deve vários favores a Chávez, tornou-se um frenético garoto-propaganda das vantagens de ter a Venezuela dentro do Mercosul. Ao longo do último ano e meio a Venezuela socorreu a Argentina com óleo diesel durante a crise energética e comprou US$ 985 milhões de títulos da dívida argentina, entre outros socorros prestados a Kirchner.

Segundo os analistas argentinos, a presença venezuelana no bloco servirá para contra-balançar o grande peso que o Brasil possui nesta união alfandegária imperfeita.

Desta forma, ao longo do próximo semestre o Mercosul terá uma profunda marca argentina, já que Kirchner será o presidente pró-tempore do bloco do Cone Sul. Tudo indica que nas negociações internacionais, o bloco terá uma tonalidade mais opositora à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) do que a que já vinha tendo.

Além disso, Kirchner influenciará os países-sócios do bloco por meio do ex-vice-presidente argentino Carlos "Chacho" Álvarez - seu amigo pessoal - que será empossado como o presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul. Ele substituirá o atual presidente da Comissão, o também argentino ex-presidente provisório da República, Eduardo Duhalde.

Mesmo antes de tomar posse, Álvarez já deixou claro que a entrada da Venezuela será uma prioridade. "É um evento de grande trascendência...a Venezuela daria à região uma infra-estrutura muito importante", declarou.

Na agenda da cúpula também está a definição de uma postura conjunta do bloco do Cone Sul nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Os negociadores também discutirão a regulamentação dos Fundos Estruturais (utilizados para gastos comuns dentro do bloco, como o combate à aftosa) e análise de projetosde complementação energética.

DÉFICIT - Em novembro a Argentina completou 30 meses consecutivos de déficit comercial com o Brasil. O saldo comercial ficou no vermelho em US$ 912 milhões no mês passado. O déficit acumulado desde janeiro é de US$ 3,305 bilhões, mais que o dobro registrado no mesmo período de 2004.

O déficit com o Brasil estimula os pedidos argentinos sobre a criação de um mecanismo que evite eventuais "invasões" de produtos brasileiros.

A exigências argentinas datam desde janeiro de 1999, quando o Brasil desvalorizou o real. No entanto, elas se intensificaram desde meados de 2004, quando - com o respaldo explícito do presidente Kirchner - os empresários nativos deflagraram uma guerra comercial contra produtos Made in Brazil. Em setembro do ano passado, o então Ministro da Economia, Roberto Lavagna, apresentou ao Brasil um sistema de salvaguardas com o qual pretendia evitar as supostas invasões, além de compensar o comércio bilateral quando este fosse alterado por circunstanciais mudanças macro-econômicas em um dos países-sócios do bloco.

Após idas e vindas, as exigências do governo Kirchner acabaram tendo o formato da Cláusula de Adaptação Competitiva (CAC). Esta, no entanto, não ficaria pronta para a cúpula de Montevidéu. Na semana passada, na reunião de cúpula dos presidentes Lula e Kirchner em Puerto Iguazú, ficou combinado que a CAC será definida até o dia 31 de janeiro de 2006.