Título: O Mercosul pronto para implodir
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/12/2005, Notas e Informações, p. A3

Quem quiser saber para onde irá o Mercosul deverá perguntar ao presidente Hugo Chávez - depois de formalizado, naturalmente, o ingresso da Venezuela como quinto sócio pleno do bloco. Se depender da Argentina, esse ingresso vai ser oficializado na reunião de cúpula marcada para quinta e sexta-feira em Montevidéu. Avesso a formalidades, o presidente venezuelano antecipou sua decisão ao declarar: "Nosso destino é o Mercado Comum do Sul e isso é anti-Alca." Está resolvido, portanto, e algo diferente só ocorrerá se o novo homem forte da união aduaneira mudar de idéia. O governo brasileiro, representante da maior economia do bloco, ficará mais fraco, mas não deverá estranhar. Habituado a aceitar as imposições do presidente argentino, Néstor Kirchner, apenas terá de se ajustar às pretensões de mais um líder regional.

O presidente Kirchner recorreu à ajuda venezuelana para enfrentar uma crise energética e para refinanciar parte da dívida pública. Chávez comprou papéis argentinos no valor de US$ 985 milhões, dando ao governo de Buenos Aires mais fôlego para alongar a negociação com o FMI.

Até agora, o presidente Kirchner é o mais preparado para mais um triunfo tático na cúpula de Montevidéu. O ingresso da Venezuela - sem oposição do Brasil - será apenas parte da vitória. Outros ganhos serão quase certamente obtidos com a aprovação de uma lista de reivindicações argentinas. O governo de Buenos Aires pretende a manutenção, por dois anos, da lista de exceções à Tarifa Externa Comum .

Defende também a prorrogação, por cinco anos, de condições especiais de importação de máquinas e equipamentos e de bens de informática e de telecomunicações. Se confirmadas, essas decisões manterão o Mercosul como caricatura de união aduaneira.

Os únicos avanços na integração regional serão mais aparentes do que reais e não trarão nenhum benefício, a curto prazo, à economia brasileira. Na reunião, deverá confirmar-se o início da instalação, em 2006, do Parlamento do Mercosul, sem poder decisório até 2014. Além disso, os presidentes deverão aprovar o regulamento do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, com o Brasil participando, naturalmente, como principal fornecedor de recursos.

O Brasil continua a assumir,portanto, os custos normalmente atribuídos à maior economia, nos processos de integração, mas sem liderança e com influência cada vez menor nas decisões políticas. Com o ingresso da Venezuela, seu poder ficará menor, não porque haverá mais uma voz nas deliberações, mas porque essa voz fará um dueto com o segundo maior sócio do bloco.

Diante desse quadro, não surpreende que volte à discussão a idéia do retorno do Mercosul à condição de área de livre comércio. Os novos defensores de um recuo estratégico são os economistas Fábio Giambiagi e Igor Baremboim, autores de um estudo preparado para o Ipea. Eles propõem, além da restauração da área de livre comércio, a redefinição de um projeto de mercado comum com a participação inicial apenas de Brasil e Argentina. Uruguai e Paraguai acompanhariam o processo mais lentamente.

Sem as obrigações de uma união aduaneira - sem tarifas comuns, portanto -, cada um dos quatro países ficaria livre para celebrar acordos comerciais com quaisquer parceiros de fora do bloco. Essa condição teria, quase certamente, facilitado acordos separados com a União Européia. Cada governo teria maior flexibilidade para eleger seus objetivos e para oferecer concessões de acordo com as condições de sua economia.

Essa proposta parece completamente alheia à situação real do Mercosul. O futuro dirá se foi uma sugestão correta no momento errado. Afinal, com o ingresso da Venezuela, o Mercosul ficará mais pesado, mais engessado e menos propenso às negociações mais interessantes, objetivamente, para a economia brasileira. Como as decisões têm de ser unânimes, o bloco ficará na dependência dos humores, das estratégias internacionais e das jogadas políticas do mais demagogo e menos sério presidente sul-americano. Ficará pronto para implodir.