Título: Lula escolhe entre 170 projetos onde gastar R$ 1,5 bi no ano eleitoral
Autor: Vera Rosa, Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2005, Nacional, p. A4

Em reunião na segunda-feira, presidente ordenará "reparos"no ajuste fiscal, autorizando aumento de gastos públicos via investimentos

Uma reunião marcada para segunda-feira, no Palácio do Planalto, promete esquentar a disputa em torno da correção de rumos na política econômica e pôr luz sobre o caminho a seguir pelo governo na eleição de 2006. Preocupado em mostrar um portfólio de "realizações" na sua provável campanha a um segundo mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ordenará "reparos", como ele próprio definiu, no ajuste fiscal, autorizando o aumento de gastos públicos via investimentos. Além de liberar cerca de R$ 1,5 bilhão para cobrir despesas emergenciais de ministérios e atender a emendas parlamentares de bancada, o governo vai escolher prioridades numa lista de 170 projetos, a maior parte deles em infra-estrutura, como a construção da Ferrovia Norte-Sul e a ampliação da BR-381, em Minas. Detalhe: os ministérios já têm R$ 5 bilhões disponíveis, mas ainda não usados, para investimentos.

Além desse dinheiro, que já tem destino definido, há sobra de caixa de aproximadamente R$ 2,5 bilhões (decorrente do aumento de arrecadação), cifra disputada por governadores e prefeitos de um lado e parlamentares e ministros de outro. "É uma escolha de Lula", resumiu o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ao ser questionado se o dilema entre liberar verbas para os Estados ou para emendas parlamentares caracterizaria uma "escolha de Sofia", a personagem do romance de William Styron que teve de decidir qual dos filhos salvar das câmaras de gás nazistas.

O problema é que, apesar da briga da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, para aliviar o arrocho fiscal, será impossível - mesmo acelerando agora os gastos - reduzir significativamente o superávit primário (poupança para pagamento de juros) até o dia 31. Motivo: o superávit só cai quando a despesa efetivamente é paga, e a maior parte dos investimentos que o governo quer "empenhar" (jargão orçamentário para o pontapé inicial de uma obra) levará tempo para ser concluída.

Na prática, uma fatia dessas despesas será classificada como "restos a pagar" para 2006. Mas o início das obras agora é uma boa forma de o governo não "perder" os dois primeiros meses (janeiro e fevereiro) de um ano eleitoral, tradicionalmente mais curto.

CONSERTOS

Angustiado com o resultado negativo do Produto Interno Bruto (PIB), que caiu 1,2% no terceiro trimestre deste ano, Lula está convicto de que são necessários "pequenos consertos" na economia, mas ainda não decidiu o que fazer. Baterá o martelo sobre como fechar a conta na segunda-feira, em reunião da Junta Orçamentária com Dilma, Palocci, Paulo Bernardo e Jaques Wagner (Relações Institucionais).

"É inegável que há uma desaceleração na economia, mas há margem fiscal para melhorar os investimentos", disse o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). O senador ressalvou, porém, que as condições para manter o crescimento estão dadas. Citou como exemplo o cenário internacional favorável, a melhoria das contas externas e a queda da inflação. "Os indicadores positivos vão contribuir para uma reflexão do Banco Central, pois há condições de acelerar a queda dos juros e melhorar a situação fiscal", argumentou Mercadante.

Embora diga publicamente que nenhuma atitude será tomada de olho na eleição de 2006, Lula sabe que é preciso fazer logo as correções nas políticas monetária e fiscal se quiser mostrar serviço no ano que vem.

O Ministério do Planejamento e o Palácio do Planalto já haviam se comprometido a liberar mais R$ 1,5 bilhão para os ministérios usarem em despesas próprias ou de emendas parlamentares, mas a promessa feita por Lula de repassar R$ 900 milhões aos governadores, com o objetivo de complementar as perdas provocadas pela Lei Kandir, embaralhou todas as contas que a equipe econômica vinha fazendo.

"Na reunião da Junta Orçamentária vamos tratar desse tema. Na hora em que o presidente disser para pagar, vamos pagar", afirmou Paulo Bernardo, referindo-se aos repasses para os Estados exportadores que perdem com a Lei Kandir.