Título: 'O inferno é aqui', diz vítima
Autor: Alexandre Rodrigues, Roberta Pennafort
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2005, Metrópole, p. C3

Passageiros ficaram com corpos em chamas e tentavam fugir

Dominique Carvalho de Jesus, de 20 anos, dormia com a cabeça no ombro do namorado quando o ônibus em que viajava foi invadido por bandidos. Ela logo percebeu que não se tratava de um assalto, e sim de uma ação diferente, jamais vista no Rio. "Pensei que morreria ali, não tinha como fugir. Acho que o Rio não tem mais jeito. O inferno é aqui", disse a jovem, ontem de manhã, depois de deixar o Hospital Getúlio Vargas. A moça, que mora na Vila da Penha, na zona norte, e trabalha como auxiliar de planejamento em uma firma no centro da cidade, teve os pés queimados. Ela e o namorado, Higor dos Santos Pereira, de 20 anos, que ficou ferido na orelha e em um braço, escaparam, com outras pessoas, porque o rapaz conseguiu abrir a porta traseira do ônibus. Pela saída da frente, não era possível descer, já que o fogo se alastrou rapidamente.

As cenas que viram impressionantes: pessoas com os corpos em chamas se debatendo; uma mãe chorando com a filha no colo (ambas morreram queimadas); passageiros tentando quebrar os vidros com os braços; outros se jogando pelas janelas. "Tive pesadelos a noite inteira", disse Dominique. "Até agora não acredito que consegui salvar aquelas pessoas", contou Pereira.

A professora Erika Bernardo, de 40 anos, escapou pulando por uma janela. Sofreu queimaduras nos braços e nas pernas. O marido dela, que pediu para não ter a identidade divulgada, ficou transtornado com a notícia.

"A gente tenta fugir da violência, mas ela vem ao nosso encontro", disse. "Estou indignado, mas fazer o quê? Vou pegar uma arma, subir o morro e matar todos eles? Não adiantaria, porque para cada um que morre aparecem outros dez."