Título: Só naquela noite casal pegou o ônibus
Autor: Alexandre Rodrigues, Roberta Pennafort
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2005, Metrópole, p. C3

Em geral, Rogério e Vânia saíam do trabalho, pegavam a filhinha na casa dos avós e faziam a última parte do caminho a pé

Rogério Mendes de Oliveira e Vânia Barbosa repetiam na noite de anteontem a rotina diária. Ou melhor, em vez de fazer o último percurso de volta para casa a pé, decidiram pegar o ônibus 350. Raramente, se estivessem muito cansados, iam para casa de ônibus depois de buscar a filha Vitória, de 1 ano e meio, na casa dos pais dela. Eles a deixavam lá enquanto trabalhavam como auxiliares de serviço geral de uma empresa tercerizada no escritório da Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, na zona sul. Anteontem, faltavam dois pontos para descerem e completarem a jornada. Foram impedidos pelo ataque dos bandidos. Rogério está internado com 40% do corpo queimado no Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do Hospital do Andaraí, unidade de referência da zona norte. Consciente todo o tempo, luta para sobreviver com o peso da perda da mulher e da única filha. "Ele disse se sentir culpado por não ter conseguido salvar as duas", contou Regina de Oliveira, irmã de Rogério.

Os dois se conheceram no trabalho. Há quatro anos se casaram e escolheram o Quitungo, na Penha, para viver. Depois de um casamento frustrado, do qual resultou o filho Juan, de 12 anos, Vânia havia começado vida nova com Rogério. O enteado o chama de pai.

Ao lado de Rogério no hospital, também recebe cuidados Vivane de Souza Eusébio, de 21 anos. Professora em uma creche católica para crianças carentes em Piedade, na zona norte, ela voltava para casa depois de sair da faculdade de Pedagogia quando se viu prisioneira de um ônibus em chamas. Teve 50% do corpo queimado, principalmente nas costas e braços. Ela se formaria no fim do mês. O trabalho final, que carregava, foi consumido pelo fogo.

Roberto Portes, cirurgião do CTQ do Hospital do Andaraí, informou que Viviane e Rogério foram removidos para a unidade por serem os feridos mais graves do atentado. Outras duas vagas foram solicitadas, mas o hospital federal está lotado. Ele explicou que os ferimentos de Viviane são mais graves do que os de Rogério, mas, por causa de possibilidade de infecção, ambos correm risco de vida. O braço esquerdo dela tem as queimaduras mais profundas. Nas costas, todas são de terceiro grau. "Pela intensidade da queimadura, dá para ver que houve uma exposição ao calor por uma quantidade bem razoável de tempo", disse. Segundo o médico, a recuperação será lenta, provavelmente complementada com cirurgias.

REVOLTA

José Messias de Freitas Euzébio, de 46 anos, pai da universitária, ficou desolado. "Sinto muita revolta. Eu queria conversar com as pessoas que fizeram isso e perguntar: 'Por quê?' Eles poderiam assaltar o ônibus, mas não sacrificar pessoas que não fizeram nada." Viviane tem uma filha de 3 anos.

Regina, irmã de Rogério, não entende o que fez os bandidos se voltarem contra a comunidade. "Todo mundo tem o seu livre arbítrio, cada um faz a sua revolução. Se queriam mesmo protestar, queimassem o ônibus, mas tirassem as pessoas que não têm nada a ver com aquilo", disse. "Por que fazer isso com os próprios moradores, pessoas ali da própria área, que convivem com eles? Hoje, a gente sai de casa e não sabe se vai voltar."