Título: Matadores de Dorothy temem ser mortos na prisão
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/12/2005, Nacional, p. A10

Trancafiados numa mesma cela, no Presídio Estadual Metropolitano 3 (PEM3), em Santa Isabel, a 56 quilômetros de Belém, os dois homens acusados pelo assassinato da irmã Dorothy Stang passam os dias acuados por um profundo medo. Não do julgamento oficial, previsto para este fim de semana e para o qual devem ser mobilizadas organizações de direitos humanos de todo o Brasil e do exterior, mas dos outros presos. Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, e Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, temem ser mortos. Eles raramente saem da cela, num pavimento acima daquele onde ficam os outros presos. Só vão para o banho de sol, ao qual todo detento tem direito durante uma hora e meia por dia, depois de certificarem-se de que os corredores e o pátio estão vazios. Também precisam de horários especiais para os chuveiros. Tomam o café da manhã, almoçam e jantam debaixo de trancas, confiantes na afirmação das autoridades de que a comida deles é feita à parte. Para evitar envenenamento. Não é um medo infundado. Pelo código de leis próprias que rege a vida nos presídios, o assassinato da religiosa, uma senhora de 73 anos, é uma espécie de crime hediondo e sem perdão. Assim como o estupro e a violência contra crianças. O crime ocorreu em 12 de fevereiro, numa estradinha vicinal de Anapu, no sudoeste do Pará. Eduardo e Fogoió foram presos em seguida e levados para Altamira. De lá, foram transferidos para o PEM3, espécie de presídio de segurança máxima, no qual os detentos não têm acesso a celulares, TV, rádio nem a livros. Só à Bíblia. SEM VISITA Os assassinos confessos da irmã foram postos numa cela especial, com Amair Feijoli da Cunha, o Tato, um dos três fazendeiros acusados de terem contratado os serviços dos dois. Os outros acusados de serem mandantes do crime, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, estão em outro presídio da região metropolitana. O julgamento dos pistoleiros começa sexta-feira, enquanto o dos fazendeiros não está marcado. Ontem, o Estado tentou ouvir os dois. Fogoió, por orientação de seu advogado, não quis falar. Apareceu por alguns instantes na ala de recepção do presídio, mas depois se recolheu. Eduardo, acompanhado pela defensora pública que cuida de seu caso, concordou em falar. Ele tem 31 anos, aparência robusta, com 58 quilos e 1m65 de altura, e tatuagens nos dois braços. As mãos de pele fina não lembram alguém que trabalha desde os 7 anos na roça, como ele conta. "Elas estão assim porque eu estou há nove meses na cadeia, sem trabalhar", diz. Desde que foi preso, nunca recebeu visita amiga: de parentes, amigos, nem de conhecidos. "Só Deus é que me sustenta nessa hora", diz o acusado, que começou a ler a Bíblia. Segundo a advogada, a ausência de familiares ocorre porque eles são pobres, sem recursos para sair lá do interior do Espírito de Santo, de onde Clodoaldo zarpou, em 2004, a pedido de seu patrão, o fazendeiro Amair, e foi bater no sudoeste do Pará. Ele contou ontem que seu pai resolveu dá-lo para uma família de conhecidos quando tinha apenas 7 anos, alegando que não tinha condições de criá-lo. Cresceu entre estranhos. Mais tarde soube que o pai tinha sido assassinado e que o assassino vivia solto: "Eu cresci olhando para a cara do homem que matou ele. Se eu fosse um homem violento, teria matado. Mas não sou. Não matei a irmã Dorothy. Nunca matei ninguém." Uma das pessoas que o acusaram de ter participado do crime foi o próprio Fogoió. "Mas não é verdade. Eu estava ali porque ia para o trabalho."