Título: Mudam regras para patentes de remédios
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/12/2005, Economia & Negócios, p. B10

A Organização Mundial do Comércio (OMC) chegou a um acordo ontem sobre patentes de remédios que, se dificilmente poderá salvar vidas, tentará pelo menos salvar a imagem da entidade na conferência ministerial em Hong Kong, a partir da semana que vem. O acordo estava sendo negociado desde 2001 e havia sido costurado há dois anos. Mas precisava virar lei internacional. O Brasil foi um dos últimos países a aceitá-lo, forçando até o adiamento de uma reunião, ontem, até que instruções de Brasília dessem o sinal verde.

O entendimento permite que países em desenvolvimento e sem capacidade de produção de remédios possam importar medicamentos genéricos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que o acordo ainda não tem condições de ajudar os países pobres. Prova disso é que já poderia ter sido adotado há dois anos e, ainda assim, nunca foi utilizado.

Um dos motivos seria a complexidade do acordo. As condicionalidades acabam tornando o entendimento pouco prático, já que existem normas sobre a embalagem que devem usar esses medicamentos, além do controle do mercado para o qual serão destinados.

Para a queniana Amina Mohamed, presidente do Conselho Geral da OMC, o acordo, em parte, já cumpre o seu objetivo, pois conseguiu reduzir os preços dos medicamentos patenteados.

Os americanos ainda queriam que fosse incluído no texto final uma declaração limitando ainda mais as possibilidades de uso da flexibilidade prevista no acordo. Uma delas seria a necessidade da comprovação de que um país, de fato, não tem como produzir remédios. Os países africanos acabaram aceitando a proposta americana e as menções foram citadas oralmente na reunião, mas não incluídas no texto.

A reunião para aprovar o texto deveria ter ocorrido na manhã de ontem, mas o Brasil precisou consultar o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o Ministério da Saúde. À tarde, Brasil, Índia e Argentina acabaram ficando sem o apoio dos africanos e acataram a decisão.

PRECEDENTE

Para a agência de Saúde da ONU, se o texto é quase irrelevante para o acesso das populações aos remédios, o que deve ser destacado é que, pela primeira vez, as regras de propriedade intelectual da OMC foram emendadas. Para os especialistas, isso abre a possibilidade para que, no futuro, outras modificações sejam feitas em questões mais concretas.

Na avaliação do diretor da OMC, Pascal Lamy, a entidade provou que pode, às vésperas de Hong Kong, tomar medidas "humanitárias" e mudar suas regras " para ajustá-las às necessidades dos países mais pobres".

O acordo será levado à Hong Kong como prova de que a entidade trabalha pela porção mais pobre da população mundial. "Estamos dando um rosto humano à OMC ", afirmou Amina Mohamed. Para Clodoaldo Hugueney, embaixador do Brasil na OMC, o fato de o acordo ter sido concluído antes de Hong Kong mostra que a entidade "ainda pode funcionar". Para ele, o Brasil pode até exportar remédios no futuro com esse acordo.

O acordo agora terá de ser ratificado por dois terços dos congressos dos 149 países da OMC até 2007, mas já poderá ser aplicado.