Título: Kirchner quer Venezuela logo no Mercosul para reequilibrar forças
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/12/2005, Economia & Negócios, p. B10

O governo do presidente Néstor Kirchner está pressionando seus colegas do Mercosul para que aceitem a Venezuela como o novo "sócio pleno" do bloco do Cone Sul. A intenção de Kirchner - cuja dependência política, comercial e financeira de Caracas é crescente - é que na reunião de cúpula de ministros e presidentes Mercosul, que começa amanhã (quinta-feira), a Venezuela acrescente-se oficialmente ao quarteto formado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai e transforme-se na quinta estrela da bandeira do Mercosul, com direitos e deveres totais. Ao contrário de Buenos Aires, nas três capitais restantes do bloco, essa entrada imediata do novo sócio não é encarada com tanto entusiasmo, já que prevalece a idéia de que o governo do presidente venezuelano Hugo Chávez deveria proceder de forma gradual para ingressar no bloco, adaptando - passo a passo - suas tarifas alfandegárias e normas comerciais.

Mas, Kirchner, que tornou-se no principal aliado político e comercial de Chávez na América do Sul, possui especial interesse em colocar seu amigo dentro do Mercosul. Desde o domingo, diariamente, tanto o novo chanceler argentino, Jorge Taiana, como o Sub-Secretário de Integração, Eduardo Sigal (potencial novo vice-chanceler) exaltam publicamente as vantagens de contar com a Venezuela como sócio-pleno e fizeram declarações indicando que o ingresso venezuelano já é fato consumado.

Fora da estrutura de governo, o também argentino - e amigo de Kirchner - Carlos "Chacho" Álvarez, designado presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul, também destacou a importância de incluir a Venezuela no bloco do Cone Sul, de forma imediata.

Segundo os analistas, para Kirchner, ter a Venezuela dentro do bloco é uma forma de reduzir o peso relativo do Brasil no Mercosul. Além disso, é uma garantia de ter acesso mais barato ao óleo diesel venezuelano, que nos últimos dois anos transformou-se em elemento essencial para esquivar as constantes crises energéticas da Argentina.

Os vínculos comerciais entre a Argentina e a Venezuela cresceram de forma sem precedentes desde a posse de Kirchner, em maio de 2003. De lá para cá, o intercâmbio comercial com a Venezuela, que era de US$ 186 milhões (equivalente ao de um país de pouca importância para a Argentina, como a Indonésia) saltou para uma previsão de US$ 1bilhão neste ano.

Outro sinal da "Chávez-dependência" de Kirchner é que o governo venezuelano tornou-se um grande comprador dos títulos da dívida argentina. Desde maio, a Venezuela adquiriu US$ 985 milhões em bônus deste país. Nos próximos meses adquiriria outros US$ 300 milhões.Chávez também transformou-se no principal garoto-propaganda desses títulos.

Chávez afirma publicamente que confia mais nos "bônus Kirchner" do que nos títulos do Tesouro americano. Para Kirchner, é cada vez mais complicado vender seus títulos. Por este motivo, Chávez é um bote salva-vidas financeiro graças a seus "petro-dólares".

Chávez também mostrou-se um entusiasta investidor na Argentina. Há poucos meses ordenou à estatal petrolífera PDVSA a compra de duas redes de postos de gasolina na Argentina. Além disso, assinou contratos com os estaleiros argentinos para a construção de navios petroleiros e fechou acordos para a compra de máquinas e técnicos agrícolas com os quais pretende implementar a reforma agrária bolivariana.

Enquanto Kirchner está de olho no lado comercial e financeiro, o interesse de Chávez no presidente argentino é de caráter político.

"Nosso destino é o mercado comum do sul, e isso é anti-ALCA", declarou Chávez, que pretende unir a América do Sul "do Caribe à Patagônia"

contra as pressões americanas. Chávez também anunciou que pretende que a Argentina forneça tecnologia nuclear à Venezuela, além de vender-lhe um reator nuclear Made in Argentina.

CONVÍVIO INTENSO - Os dois presidentes, ao longo dos últimos dois anos e meio, exibiram um convívio e uma relação pessoal pouco comum para os padrões de confronto que Kirchner costuma protagonizar. Chávez e Kirchner reuniram-se dezesseis vezes desde a posse de Kirchner, número superior às reuniões bilaterais que "El Pingüino" (O Pingüim), como é conhecido popularmente, teve com Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do país que é o principal sócio comercial da Argentina. Com Lula, Kirchner apenas reuniu-se onze vezes, das quais seis ocasiões em presença de outros chefes de estado.

Há duas semanas, Kirchner viajou à Venezuela, onde, além de assinar uma série de suculentos acordos comerciais para a Argentina, anunciou com Chávez a criação do "eixo Buenos Aires-Caracas". Os analistas portenhos afirmam que a Argentina, depois da própria Venezuela, é o país mais "chavista" da América do Sul.