Título: Ferrovia Norte-Sul não terá PPP
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/12/2005, Economia & Negócios, p. B13

A ferrovia Norte-Sul é um investimento viável e lucrativo o suficiente para ser construída e explorada pela iniciativa privada, sem a necessidade de mais recursos públicos. Essa foi a conclusão a que chegou um grupo de técnicos do governo, a partir de estudos feitos pela Corporación Andina de Fomento (CAF), uma instituição financeira multilateral da América do Sul. Por isso, o governo desistiu de fazer a Norte-Sul por meio de Parceria Público-Privada (PPP). Em vez disso, a ferrovia será licitada e entregue à iniciativa privada como uma concessão. "Foi uma boa notícia, porque se descobriu que o projeto pode ser concretizado sem o uso de recursos fiscais", disse ao Estado o chefe da Assessoria Econômica do Ministério do Planejamento, Arno Meyer. Ele afirmou que até recentemente, o próprio governo achava que a Norte-Sul seria um projeto típico para uma PPP. Como se acreditava que ela, por si só, teria um retorno financeiro baixo, a idéia era o governo entregá-la a um investidor privado e complementar a renda do concessionário, durante 30 anos, com recursos do Tesouro Nacional. Essa associação entre o investidor privado e o Tesouro é o que caracteriza a PPP.

Porém, estudos de viabilidade econômica mostraram que essa complementação com recursos públicos não será necessária, pois o retorno do investidor deverá ser suficiente para cobrir o investimento de R$ 800 milhões a R$ 900 milhões necessário para complementar a ferrovia. Em 2002, estimou-se que a ferrovia seria usada para escoar 2 milhões de toneladas de carga por ano. Em 2004, esse número havia subido para mais de 4 milhões, por causa principalmente do aumento da produção de soja na região.

Outro fator que tornou a ferrovia rentável é que o governo federal está construindo uma parte dela com recursos públicos. Serão 96 quilômetros este ano e mais 50 quilômetros em 2006, consumindo investimentos de R$ 367 milhões no total. Quando essas obras estiverem concluídas, haverá uma ligação ferroviária entre o Porto de Itaqui, no Maranhão, até Araguaína, no Tocantins, um importante entreposto de grãos. Restará à iniciativa privada construir um trecho de 390 quilômetros de Araguaína a Palmas.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) ficará encarregada de fazer a concessão da ferrovia. O processo, porém, não será simples porque o concessionário da Norte-Sul precisará ter uma garantia de que terá acesso ao porto. Um carregamento que saia do centro do País para o Porto de Itaqui percorrerá a Norte-Sul, mas para chegar ao Porto de Itaqui, precisará passar pela ferrovia dos Carajás, que pertence à Vale do Rio Doce. "Será preciso garantir o direito de passagem ou fazer um contrato de tráfego mútuo entre a Vale e o novo concessionário", reconheceu Meyer. "Do contrário, seria uma licitação dirigida".

BR-116

A Norte-Sul era o projeto mais adiantado do governo para iniciar as PPPs. Como não será mais uma PPP, o primeiro da fila passa a ser a rodovia BR-116, no trecho que atravessa o Estado da Bahia. Em novembro, o Ministério do Planejamento assinou um contrato com o International Finance Corporation (IFC), órgão ligado ao Banco Mundial, para fazer os estudos econômicos sobre a rodovia. Os estudos mostrarão, por exemplo, se será o caso de fazer uma PPP ou, tal como na Norte-Sul, fazer uma concessão.

O edital para a primeira PPP ficará pronto por volta de abril, "se tudo correr bem", como frisou Arno Meyer. Ele não arriscou uma previsão sobre quando as obras dessa rodovia estarão em andamento.

Dessa forma, o governo Lula corre o risco de terminar sem tirar do papel uma única PPP - que foi vendida em 2003 como a grande solução para fortalecer os investimentos em infra-estrutura. Arno Meyer não admitiu que as PPPs estejam atrasadas.

Ele disse que o processo de fazer uma PPP é complexo. Na Inglaterra, por exemplo, o governo levou três anos entre a aprovação da lei e a conclusão da primeira PPP. No Brasil, a lei foi aprovada no dia 30 de dezembro de 2004.