Título: Governo sem oposição
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/12/2005, Notas e Informações, p. A3

O Movimento Quinta República (MVR) e seus aliados conquistaram todas as 167 cadeiras da Assembléia Nacional venezuelana, no pleito de domingo. Isso foi possível porque a oposição, que afirma querer a restauração da plenitude democrática e combater o autoritarismo do regime chavista, desistiu de concorrer e conclamou seus seguidores a boicotar as eleições. Fosse outra a natureza do regime bolivariano do coronel Hugo Chávez, a tática destinada a demonstrar a ilegitimidade das eleições e do regime - que mantém as aparências democráticas, enquanto o presidente acumula poderes em escala inédita - poderia dar algum resultado. Mas a especialidade de Chávez é tirar proveito das fraquezas da democracia, sem destruí-la inteiramente. E assim a oposição - que poderia obter entre 30 e 40 cadeiras - ficou fora da Assembléia e não conseguirá mobilizar a opinião pública internacional contra o governo Chávez. Afinal, o Conselho Nacional Eleitoral - que Chávez também controla - atendeu as suas exigências de não usar um sistema de coleta de impressões digitais que poderia vulnerar o segredo do voto. Além disso, a OEA e as organizações independentes que fiscalizaram as eleições atestaram a sua lisura.

Os partidos de oposição, no entanto, poderão alegar que têm o apoio da maioria silenciosa. O apelo ao absenteísmo nas eleições foi atendido por 75,13% dos eleitores - número altamente significativo, quando comparado com os 30,08% de abstenções no referendo que confirmou Chávez na presidência. É claro que a maioria dos que não votaram não estava, com essa atitude, apoiando a oposição. Mas é claro, também, que não são chavistas fanáticos.

O fato é que Chávez governará sem oposição, no plano institucional. Já controlava o Judiciário, que reorganizou a seu gosto. Agora, terá unanimidade na Assembléia. E, com isso, o caminho está aberto para a instituição do regime cujos traços vêm sendo desenhados há sete anos, desde que o ex-coronel golpista conquistou o poder pelo voto. Chávez pode, por exemplo, eliminar da Constituição a restrição à reeleição, hoje permitida - por emenda de sua autoria - duas vezes. Pode, ainda, ampliar a presença do Estado na vida nacional, especialmente na economia - onde já não é pequena, uma vez que o governo controla o câmbio e os preços, cria empresas públicas deficitárias à vontade e, graças às riquezas do petróleo, separa, para uso discricionário do presidente da República em programas sociais, parte considerável das reservas internacionais do país.

Para o presidente Hugo Chávez e seus seguidores, o que se passou no domingo não foi - como pareceu a todos os que observam isentamente a tragédia venezuelana - uma demonstração de grande fraqueza institucional do país. Eles não estão preocupados com o fato de um setor importante da população - mais de 75% do eleitorado, compostos principalmente pelas classes médias - ter ficado sem representação política na Assembléia.

Tentam fazer um jogo de palavras para simular uma normalidade institucional que há muito não existe. O presidente da Assembléia Nacional, Nicolás Maduro, por exemplo, afirma que a nova configuração do Legislativo não resultará no "monopartidismo" ou regime de partido único. Isso porque, para ele, todos os grupos sociais estarão representados numa Assembléia que classifica de "plurissocial e pluripolítica" - seja lá o que isso signifique. Quando não ensaia abstrusas interpretações de sociologia política, Maduro diz o que realmente pensa: "A transição chegou ao fim na Venezuela. O povo tomou a Assembléia Nacional." O ministro das Relações Exteriores, Ali Rodriguez, também tem uma peculiar maneira de ver o que se passa: "A governabilidade não depende do volume da oposição. Depende do volume dos povos."

O fato é que, retirando-se do pleito e permitindo que o chavismo obtivesse todas as cadeiras da Assembléia Nacional, os partidos de oposição criaram uma situação potencialmente mais explosiva do que a previamente existente. Em primeiro lugar, porque abreviou, para Chávez, o processo de acumulação de poder com que ele sonhava. E, depois, porque, não havendo representação oposicionista na Assembléia, os conflitos tenderão a ser resolvidos na rua, pela violência.