Título: Mateus, de volta aos seus
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/12/2005, Nacional, p. A6

Palocci falta com a palavra, mas oposição é quem tem um nó para desatar O ministro da Fazenda fica com o ônus de ter faltado com a palavra empenhada à Nação de que iria, em qualquer hipótese e a qualquer tempo, ao Congresso prestar explicações sobre qualquer assunto.

Mas, ao recusar o convite para ir à CPI do Bingos - quebrando acordo de cavalheiros firmado sob a égide da palavra de honra -, Antonio Palocci transferiu à oposição a tarefa de mostrar força e unidade para aprovar sua convocação e ainda administrar eventuais prejuízos causados pela acusação de que estará, com isso, fazendo um mal à economia do País.

Tal imputação é um sofisma, mas para efeitos publicitários terá adeptos a mancheias e os partidos oposicionistas terão de embalar o Mateus nascido da decisão de conferir fidalguias especiais ao ministro da Fazenda.

No tocante à quebra da palavra, os malefícios são relativos, dada a desvalorização da mercadoria. Quando o presidente da República fornece o exemplo maior de descompromisso total com o que diz, ninguém mais se sente obrigado a respeitar o verbo, seja ele próprio ou pertencente ao alheio.

Um dos poucos ainda a contar com a prerrogativa da credibilidade era justamente o ministro da Fazenda.

Mas, como uma necessidade maior se impõe - a esquiva a qualquer custo do questionamento a respeito das denúncias de corrupção envolvendo assessores do prefeito e do ministro Palocci -, todos os outros valores ficam relegados ao plano das irrelevâncias.

Tanto a recusa de Palocci põe a teste a oposição que partiu de oposicionistas a iniciativa de fornecer mais uma oportunidade ao ministro da Fazenda para "aceitar" o convite. Os proponentes obviamente perceberam-se na borda da armadilha.

Foram eles que, lá atrás, quando Antonio Palocci esteve nas comissões de Economia do Senado e Tributação da Câmara, decidiram fazer "forfait", recusando-se a questionar o ministro sobre as denúncias de Ribeirão Preto, onde teria havido desvio de dinheiro público para o caixa do PT por intermédio de contratos de serviços e doações ilegais de empresas de bingos.

A oposição se fez esperta e, agora, tem um nó para desatar. Assumiu a versão do governo sobre o dilema da política econômica e aceitou dar ao ministro da Fazenda dois palanques privilegiados para se "defender".

Quando interessou, e na ocasião interessava ao Planalto tirar o foco das denúncias de Ribeirão e transferir as atenções para o debate econômico, Palocci foi todo boa vontade e mesuras com o Congresso, inclusive prometendo voltar de acordo com o juízo dos parlamentares.

Cumprido o roteiro, o ministro simplesmente mudou de idéia, deixando à oposição a administração do produto de suas próprias incongruências e vacilações.

Como o problema é mais do PSDB e do PFL do que propriamente do ministro da Fazenda, aqueles não medirão esforços para que tudo saia a contento para este. E mais uma vez o presidente Luiz Inácio da Silva poderá dar graças aos céus aos adversários que Deus lhe deu.

Legítima defesa

Considerando que Lula não costuma pisar em falso quando em jogo está a sua preservação pessoal, soa algo ingênua, ou forçada, a estridente reação à alegada intenção de levar José Dirceu ao seu palanque, caso seja candidato à reeleição.

Palavras, inclusive as de apoio à inocência do ex-deputado, pronunciadas em legítima defesa preventiva, no intuito de manter o espírito de José Dirceu dentro dos limites da serenidade e do comedimento.

Se tivesse de passar a mão na cabeça ou estender a mão ao seu ex-ministro da Casa Civil, o tempo de fazê-lo com sinceridade de propósitos teria sido antes da cassação.

A defesa a posteriori, portanto, serve ao advogado, mas não altera a situação do condenado.

Plano irreal

O presidente Lula na entrevista de ontem a emissoras de rádio enterrou o Plano Real na mesma cova onde descansa o Plano Cruzado desde o pós-eleições de 1986.

"O Plano Cruzado durou de fevereiro a outubro e o Plano Real teve o mesmo destino", disse, decretando extinta, por ato unilateral de oratória, a política econômica até então adotada por seu governo.

Às avessas

O presidente Lula está retomando o viés ideológico em seu discurso. Ontem carimbou seus adversários como "oposição de direita" em contraposição à "oposição de esquerda" que, segundo ele, fez aos antecessores.

É uma tática, mas não guarda relação com a realidade. Primeiro, porque Lula sofre bombardeio pesado da esquerda; segundo, foi ele mesmo quem cansou de afirmar que não é de esquerda; terceiro, se há conservadores na oposição, os há em maior número na situação.

CNJ piscou

O Conselho Nacional de Justiça abriu exceções para o veto ao nepotismo nos tribunais, deu margem para contestação da resolução, contratou a desmoralização da norma geral e, por extensão, pôs em risco a razão de ser do conselho.