Título: Dirceu chama presidente de 'personagem difícil'
Autor: Ana Paula Scinocca
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/12/2005, Nacional, p. A6

No mesmo dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que levaria José Dirceu para seu palanque e o defendeu das acusações de ser o articulador do mensalão, chegou às bancas uma entrevista em que o ex-ministro da Casa Civil e deputado cassado classifica o presidente como "personagem difícil". A crítica pública a Lula, a mais forte desferida pelo ex-todo-poderoso do governo, foi feita à Fórum, uma revista voltada para a esquerda e desde ontem à disposição dos leitores em São Paulo. Dirceu contou que só saiu do governo porque se deu conta de que Lula queria que ele saísse. E, ao questionamento da revista sobre se havia problema pessoal com o presidente, respondeu: "Uma mistura de coisas. O personagem é difícil. Está ficando claro isso."

O ex-deputado e ex-ministro disse que o governo acabou. "Eu sou só um símbolo. Na verdade, não sobrou nada no governo. Luiz Gushiken, Gilberto Carvalho, Antonio Palocci, José Dirceu." Também afirmou ser uma opção de Lula "estar indo devagar", no que se refere à implantação de um governo de esquerda. "É uma opção que o presidente fez. Ele é assim, fez uma opção pela segurança e pela estabilidade."

Dirceu, que durante os 30 meses que esteve à frente da Casa Civil "bateu cabeça" com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, em relação à política econômica, reconheceu que deveria ter saído do governo antes, quando Lula optou por seguir o caminho defendido pelo titular da Fazenda, e não por ele. "Quando a opção do presidente é clara em relação ao caminho que o ministro Palocci sempre defendeu, eu devia ter saído. Perto do final de 2004 eu devia ter saído", admitiu, acrescentando: "Não só por isso (por discordar do caminho adotado), mas também pela questão da reforma política, reforma ministerial, o papel do partido."

COMPLÔ

Segundo deputado cassado em razão da crise do mensalão - o primeiro foi Roberto Jefferson (PTB-RJ) em setembro - , Dirceu também falou, mas pouco, do esquema montado pelo empresário Marcos Valério e pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. "Foi pretexto o esquema Marcos Valério-Delúbio Soares pra fazer uma campanha e dizer que o PT e o governo são corruptos, quando todos sabem que não é verdade. Se o governo Lula fosse um governo de negócios, o Delúbio não teria ido buscar R$ 55 milhões no Banco Rural e no BMG pelas empresas de Marcos Valério. Todo mundo sabe disso."

Dirceu prosseguiu citando os principais partidos de oposição ao governo do PT. "Como o PSDB e o PFL levantaram recursos esses anos? Fazendo grandes negócios, privatização..."

O deputado cassado voltou a afirmar que sempre agiu de acordo com as determinações de Lula. "Eu faço, fazia, o que o presidente decidia", ressaltou ele. Mencionou que "não deu nenhuma importância pro Roberto Jefferson e para denúncias de corrupção" nos Correios. "Isso foi um pretexto, uma espoleta. Eles tentaram com o caso Waldomiro Diniz, sabiam que não iriam derrotar o governo em 2006. Já tinham perdido na preliminar, acreditando que não íamos conseguir governar. Achavam que iríamos ganhar a eleição e recorrer a eles pra fazer maioria, dar governabilidade institucional", anotou.

Na entrevista, que ocupa oito páginas da publicação, Dirceu também faz críticas à oposição, especialmente ao PSDB. "Não podemos esquecer que o PSDB é uma costela do PMDB e do PFL, não adianta eles quererem renegar. Eles querem esconder isso. Nós nunca escondemos que nos aliamos ao PMDB. Quando fizemos aliança com o PL, PTB e PP também, mas tem que ser com transparência, não adianta ficar escondendo da sociedade."

Por fim, disse que a coisa mais certa que fez foi entrar e sair do governo. "Embora devesse ter saído antes, no fim de 2004 ou em março, abril de 2005", insistiu.

O ex-chefe da Casa Civil admitiu ter cometido muitos erros, mas, ponderou, "não tem o maior erro" político. "Hoje, acho que minha relação com a mídia não foi adequada", observou. Seguro de si, Dirceu falou da crise que atingiu o PT, presidido por ele até a chegada de Lula ao Palácio do Planalto. Defendeu que, se a sigla ainda estivesse sob seu comando, não teria sofrido "um estrago" dessas proporções. "Quando eu era presidente isso não acontecia", disse citando o desrespeito aos mecanismos de controle e fiscalização da sigla. A entrevista de Dirceu à revista foi concedida dia 27, domingo anterior à sua cassação, na quarta-feira, 30.