Título: Consumo cresce, investimento cai
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2005, Economia & Negócios, p. B3

Foi o oitavo trimestre seguido de resultados positivos na demanda das famílias: desta vez, alta foi de 2,8%

A única boa notícia do PIB do terceiro trimestre foi a sustentação do consumo das famílias, nas chamadas contas pela "ótica da demanda". Porém, mesmo nesta perspectiva, em que o PIB é subdividido pelos setores que consomem os bens e serviços produzidos pelo País, o quadro foi desanimador, já que houve uma forte queda nos investimentos (formação brutal de capital fixo). O consumo das famílias, na comparação trimestral com o mesmo período do ano anterior, teve o seu oitavo trimestre seguido de alta, registrando 2,8%. O consumo das famílias está sendo puxado pelo aumento da renda e do crédito. Rebeca Palis, gerente de Contas Nacionais Trimestrais do IBGE, notou que, na comparação do terceiro trimestre de 2005 com igual período de 2004, a renda cresceu 4,7% (2,3% de aumento das pessoas ocupadas, e 2,3% de alta nos rendimentos) e o saldo das operações financeiras com recursos livres para pessoas físicas ampliou-se em 39,6%.

A relativa manutenção da demanda no terceiro trimestre, enquanto os indicadores pelo lado da oferta caíam bem mais fortemente, alimentou análises, ontem, de que uma severa queima de estoques poderia estar por trás do mau desempenho da economia. Se esta análise estiver correta, a recuperação no quarto trimestre poderá ser mais forte, com movimentos de reposição de estoques.

Isto não quer dizer, porém, que o PIB vai atingir em 2005 os níveis apregoados pelo governo, de 3% ou mais.

Um relatório do Unibanco de ontem, no qual a projeção de crescimento em 2005 foi cortada de 2,9% para 2,2%, relatava que "esta previsão assume que a grande queda do terceiro trimestre é parcialmente explicada por um ajuste de estoques e que o crescimento vai se acelerar de novo no último trimestre do ano".

Os técnicos do IBGE que divulgaram o PIB observaram que um dos principais fatores que levaram à retração no terceiro trimestre foram as altas taxas de juros, com uma Selic (taxa básica) média de 19,7% de abril a setembro.

Os investimentos no terceiro trimestre caíram 0,9% na comparação com o trimestre anterior (sem influências sazonais) e 2,1% em relação ao mesmo período de 2004. Os dois componentes dos investimentos - a construção e máquinas e equipamentos - recuaram.

Na área externa, exportações e importações (que contribuem negativamente para o PIB) voltaram a crescer, mas em ritmo mais lento.

Na comparação com o mesmo trimestre de 2004, as exportações cresceram 12,3% e as importações aumentaram 9,4%.

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Desempregado há um ano e meio e prestando apenas alguns serviços de consultoria, o administrador de empresas Agnaldo Poiato, de 38 anos, diz que o crediário dá uma "falsa impressão" de aumento de poder aquisitivo. "As pessoas compram sem pensar, é fácil demais; e, quando percebem, já comprometeram metade do salário." É por causa da expansão do crédito, diz, que o resultado do PIB mostra um aumento do consumo das famílias.

Sempre que consegue negociar um bom desconto, o analista de crédito Ricardo Santos prefere comprar à vista, mas diz que, se não fosse o crediário, não poderia comprar um armário, em 10 vezes sem juros, e um carrinho elétrico, de R$ 699, para a filha Natália, de 9 meses, de presente de Natal. "Mas a situação está muito difícil. Até 1998, eu ganhava o equivalente a seis salários mínimos e hoje o que ganho equivale a quatro salários." Colaborou: Vera Dantas