Título: Acachapante
Autor: celso ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2005, Economia & Negócios, p. B2
Foi bem pior do que se imaginava, mas pode não ficar tão ruim como se espera.
Nem os derrotistas contavam com o PIB despencando tudo isso, 1,2% sobre os níveis do segundo trimestre do ano. As projeções mais sombrias apontavam recuo de 0,5%.
O comportamento da indústria decepcionou (queda de 1,2%), a marcha à ré da agricultura foi muito forte (3,4%) e o resultado do setor de serviços foi ruim (crescimento zero). Refeitos os cálculos, provavelmente o avanço do PIB, em relação ao de 2004, será inferior a 3%.
Mas o desdobramento dos números cheios mostra outra surpresa, desta vez positiva. Embora a produção tenha acusado o colapso agora conhecido, com o consumo ocorreu o contrário. Houve expansão de 0,8% no terceiro trimestre (sobre o segundo), um avanço de 3,1% nos três primeiros trimestres do ano. Se o consumo avançou enquanto a produção andou para trás, tudo se passou como se a indústria tivesse dado prioridade à desova de estoques, diagnóstico ao qual o ministro Palocci ontem se apegava.
E, se o consumo se mantém forte, segue-se que basta acelerar as máquinas para garantir maior produção nos últimos três meses do ano. Já se sabia por outras estatísticas que o emprego formal está aumentando e que as exportações seguem vigorosas. Conclui-se que não há a tão temida crise em formação. O quarto trimestre ainda pode salvar o ano.
O maior consumo das famílias encontra explicação no comportamento de quatro fatores. O primeiro é a inflação mais baixa, ao redor dos 5,5% ao ano. Como mostra o Dieese, até outubro o preço da cesta básica em 12 meses caiu 1,34% em comparação com outubro de 2004. O segundo foi o aumento do salário mínimo, de 15,4% neste ano, que garantiu elevação real do poder aquisitivo a uma faixa importante dos assalariados. O terceiro foi a expansão do crédito, especialmente do consignado (débito na folha de pagamentos) que até outubro tinha crescido 92% em 12 meses. E o quarto, a distribuição de cerca de 8 milhões de bolsas-família à população carente.
A principal causa da queda da atividade industrial está relacionada com o arrocho monetário aplicado desde setembro de 2004. Os juros lá em cima levaram o empresário a pisar no breque, a dispensar capital de giro e, portanto, a trabalhar com menos estoques. Essa constatação mostra, ao menos, que o aperto dos juros funciona, ao contrário do que tanto se disse por aqui.
Esse resultado pode ter algo a ver também com maior emprego de Tecnologia da Informação. Mais automatização, mais internet e mais dados em tempo real reduzem a necessidade de estoques. Mas não é fácil calcular qual foi o peso desse fator.
Esse PIB emagrecido causa dois efeitos. O primeiro deles é político. Alimenta o fogo amigo e a gritaria contra a política do ministro Palocci. O governo responderá que o PIB do terceiro trimestre são águas passadas e que as que hoje movem o moinho correm com mais força. No mais, aí vem o Natal, em seguida o carnaval e a Copa do Mundo. É o calendário criando outros focos de atenção e, nessas condições, a indignação contra o PIB "injurioso" pode se dissipar antes das eleições.
A segunda conseqüência é técnica. Se alguém tinha alguma dúvida, hoje não tem mais: não há excesso de inflação de demanda a combater. Isso significa que os juros podem cair mais fortemente. A conferir.