Título: Bush: 'vitória requer paciência'
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2005, Internacional, p. A22

Presidente dos EUA descartou a definição de um prazo para a retirada das tropas americanas do Iraque

Confrontado com a desaprovação de sua política no Iraque por quase dois terços dos americanos, o presidente George W. Bush reiterou ontem sua recusa a prazos para iniciar a retirada das tropas, mas apresentou uma "estratégia para a vitória", baseada na transferência progressiva para as forças policiais e militares iraquianas treinadas pelos EUA das responsabilidades pela segurança de seu país. "Isso requererá tempo e paciência", disse Bush num discurso perante os cadetes da Academia Naval de Annapolis, calculado para tentar reverter a forte perda de apoio dos eleitores à guerra e ao próprio presidente, atualmente com os índices de aprovação mais baixos desde o início de seu governo (37%). Antes do discurso, a Casa Branca divulgou um documento de 35 páginas em que descreve em detalhes sua estratégia.

Numa concessão aos críticos, Bush reconheceu implicitamente que houve erros na execução da guerra. A julgar pelas reações iniciais, é improvável, contudo, que a longa fala do líder americano produzirá os efeitos por ele desejados. Os políticos da oposição não viram nada de novo no discurso.

"O esforço do presidente de passar batom em sua fracassada estratégia no Iraque não engana ninguém", afirmou o senador Edward Kennedy, democrata de Massachusetts. Mesmo um influente senador republicano, Richard Lugar, que presidente a Comissão de Relações Exteriores, mostrou-se pouco convencido: "É preciso disponibilizar mais informações para o Congresso e para o público."

Um dos problemas do plano que Bush anunciou ontem é que ele parte de uma definição de vitória muito mais ambiciosa do que a que os americanos parecem dispostos a aceitar. Bush disse que não aceitará "nada menos do que a completa vitória no Iraque". Segundo ele, a vitória virá "quando os terroristas deixarem de ser uma ameaça à democracia no Iraque, as forças iraquianas assegurarem a segurança de seu país e desaparecer o risco de o Iraque tornar-se santuário para ataques contras os EUA".

Ele procurou mostrar que o processo de "iraquização" do conflito está em pleno curso, dizendo que as forças americanas já entregaram aos policiais e militares locais a segurança de várias áreas. Bush acrescentou que já somam 120 os batalhões de militares e policiais iraquianos treinados pelos EUA que já lutam contra insurgentes.

As suspeitas deixadas pela ofensiva retórica de Bush foram sublinhadas pelas contradições implícitas no próprio discurso.

Ciente de que o número de baixas - até ontem, 2.111 soldados mortos e perto de 16 mil feridos - é um dos fatores que fez a opinião pública voltar-se contra a guerra, Bush disse que sua estratégia prevê a retirada gradual das tropas de operações nas cidades, que é onde ocorre a maior parte dos ataques rebeldes. Ele confirmou também os planos de reduzir gradualmente a presença de forças americanas - das atuais 160 mil para 100 mil em meados do ano que vem. Ao mesmo tempo, garantiu que os comandantes terão mais tropas se acharem necessário.

Ainda ontem, a líder da minoria democrata na Câmara de Deputados, Nancy Pelosi, manifestou seu apoio ao pedido do deputado republicano John Murtha para um breve início da retirada das tropas americanas do Iraque. Pelosi, uma congressista da Califórnia que se opôs à invasão do Iraque, em março de 2003, disse acreditar que a maioria democrata na Câmara deverá apoiar uma resolução de Murtha.