Título: ´Não vou me dobrar, não vou cair´, desabafa
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2005, Nacional, p. A6

No último discurso antes de ser cassado, Dirceu pediu que a Câmara não se transformasse em 'um tribunal de degola política, um tribunal de exceção'

No último apelo aos 460 colegas que estavam no plenário da Câmara e em poucos minutos votariam seu destino, o deputado José Dirceu (PT-SP) pediu que 'a Casa não se transforme em um tribunal de degola política' nem em um 'tribunal de exceção'. Demonstrou, porém, estar preparado para a perda do mandato: 'Como cidadão, não vou me dobrar, não vou cair, vou continuar lutando de maneira simples e humilde.' Dirceu rebateu acusações de integrantes do Conselho de Ética de que fez manobras protelatórias ao recorrer tantas vezes ao Supremo Tribunal Federal, o que adiou em quase um mês a decisão final sobre o processo de cassação de mandato aberto no início de agosto. Disse que recorreu porque não teve 'amplo direito de defesa' e fez uma pregação contra 'o rito sumário'.

Voltou a dizer que estava sendo julgado por seu passado político, por sua história no PT e pela participação direta na eleição e no governo Lula. O ex-poderoso chefe da Casa Civil fez um emocionado discurso de 40 minutos em que foi aplaudido duas vezes por alguns companheiros da base aliada. Considerou 'uma ignomínia, uma violência sem precedentes' a perda dos direitos políticos.

'Se coloquem no meu lugar. Como é possível me cassar sem provas, cassar meus direitos políticos até 2016, quando estarei com 70 anos?' Dirceu disse que deixar o governo Lula foi 'a pior coisa' que aconteceu a ele e citou o apoio de eleitores, amigos, políticos e parlamentares.

'Graças a eles fiquei de pé e cheguei aqui.' Embora tenha reconhecido os erros do PT, Dirceu disse que o partido 'tem mais crédito do que débito' em serviços prestados ao País. E lembrou o passado de guerrilheiro e clandestino, depois de ser banido do País, no regime militar. 'Por razões da vida não fui assassinado.'

Citou algumas acusações, para rebatê-las, usando como roteiro um prospecto que tinha sido distribuído no plenário, intitulado '13 Manipulações no Processo contra José Dirceu'.

Negou ter favorecido fundos de pensão e o banco BMG, suspeitos de terem abastecido o esquema de caixa 2 montado pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza e pelo extesoureiro Delúbio Soares. Dirceu foi processado e julgado porque os relatores das CPIs dos Correios e do Conselho de Ética o consideraram o organizador do esquema, que supostamente foi montado para comprar votos em favor do governo no Congresso. 'Da noite para o dia virei o chefe do mensalão. Não comandei o mensalão.

O governo não comprou votos.' 'Jamais tratei com ele (Valério) nada que não fosse público.' E rebateu 'constrangido' a acusação de que conseguiu um empréstimo no Banco Rural para a ex-mulher Ângela Saragoça, que trabalha no BMG. Também repudiou as acusações de que seu filho, Zeca Dirceu, prefeito de Cruzeiro do Oeste (PR), tenha usado a influência do pai para obter recursos federais.

'Não aceitarei jamais o que foi feito com meu filho.' Ele criticou 'setores da imprensa', que disse ser, em parte, partidarizada e de oposição.

'Quero ter o direito de dizer que muitas das denúncias que surgiram e foram investigadas eram vazias e foram promovidas por setores da imprensa.'

Conhecido pela distância e até arrogância com que tratava os parlamentares, nos tempos de ministro, pediu: 'Não posso ser cassado porque não atendia telefonemas, não marcava audiência, pela minha personalidade.

Não é justo.' E dispensou a compaixão dos colegas. 'Não quero misericórdia, não quero clemência, quero justiça.'