Título: Com chegada ao poder, capital político começou a cair
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2005, Nacional, p. A8

José Dirceu teve três razões para dar certo e uma para dar errado. As três para dar certo eram: 1) por não ter pertencido a uma tendência clássica da esquerda armada, pairou sobre todas; 2) tem uma capacidade obsessiva de trabalhar; e 3) como secretário de organização do PT, montou o partido a seu gosto e modo. A razão para dar errado era uma crise crônica da síndrome da esquerda - como tem boas intenções para com o mundo, se coloca acima da lei, do bem e do mal. Prevaleceu a última.

Começou a perder seu capital político quando assumiu o governo. Primeiro, brigou com as tendências de esquerda que antes conseguia aglutinar. A obsessão com o trabalho carimbou-lhe a marca de petulante. E a idéia de que tinha uma missão a cumprir o levou a ser duro com parceiros e aliados, e intratável com adversários. Ganhou fama de arrogante. 'Quer sempre ganhar todas', diz dele o deputado Alberto Goldman (PSDB-SP).

Seus amigos dizem que ele gosta de ler biografias e história. Lê pouco de economia e romances; na sua mesinha de cabeceira, o espaço de hora é de Frederick Forsyth. Não consegue viver sem um esquema de informações. Em Cuba, alguém lhe enviava com certa regularidade o Estado: era o exilado brasileiro mais bem informado.

E para atualizar a ideologia, lia a revista cubana Pensamento Critico - que só criticava os não-marxistas.

Em Cuba, chegou a usar farda do Exército cubano, mas confessa não gostar de armas. Talvez porque elas tivessem determinado bem menos a vitória da sonhada revolução e muito mais o morticínio de seus parceiros de guerrilha: dos 28 que montaram com ele o Molipo, nos acampamentos 'Primavera' e 'Outono', em Cuba, 25 foram trucidados quando voltaram ao Brasil; escaparam ele e duas moças.

Na casa da 'turma do Molipo', em Marianao, Havana, andava sobraçando livros, recebia pessoas para conversar e traçava planos para a futura revolução.

Não dava a menor atenção à luta democrática do MDB. Voltou ao Brasil e, antes que soassem os clarins da alvorada revolucionária, viu seus sonhos serem atropelados pela democracia. Certos estavam Ulysses e Tancredo.