Título: O retrato da magistratura
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2005, Notas & Informações, p. A3

Nove anos após o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro ter realizado um levantamento sobre o perfil socioeconômico, a origem familiar e a formação dos juízes de todo o País, agora é a vez de a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) divulgar um trabalho semelhante.

A partir das respostas dadas por 3,2 mil dos 11 mil integrantes da entidade a um extenso questionário, e a pesquisa, além de dados socioeconômicos, inclui a opinião da corporação sobre a reforma do Judiciário, seu relacionamento com advogados e o desempenho do governo Lula. A pesquisa permite saber quem são e como pensam os juízes encarregados de julgar as pendências judiciais.

O estudo mostra que o juiz brasileiro típico é do sexo masculino, cor branca, idade média de 50 anos e filho de pais com nível de escolaridade inferior ao 2º grau. Casado, com filhos, ele se formou numa universidade pública e prestou concurso para a magistratura sete anos após se diplomar. Mas este é um quadro em transformação. A tendência é a faixa etária média baixar, pois muitos juízes estão entrando para a corporação com 24 anos, e aumentar o número de mulheres na carreira. Até o final dos anos 60, elas representavam 2,3% do total de juízes. Em 2005, já são 23%.

Ao avaliar sua instituição, os entrevistados foram bastante críticos. Apenas 9,9% a consideraram "boa" e "muito boa". Com diferenças nas notas dadas em cada um dos tribunais, no conjunto 48,9% dos juízes consideram o Judiciário "ruim" e "muito ruim", em termos de agilidade. O braço judicial melhor avaliado foi a Justiça Eleitoral, que obteve 64,8% de respostas favoráveis. As piores notas foram dadas para a Justiça Estadual, para a Justiça Federal e para o Supremo Tribunal Federal (STF).

No quesito relativo ao "dever de imparcialidade", as melhores avaliações foram conferidas à Justiça Estadual, seguida pelas Justiças Eleitoral e Federal. A maior proporção de notas "ruim" e "muito ruim" foi dada ao STF. Em matéria de isenção, o Supremo ficou numa posição muito abaixo dos demais tribunais. A maioria dos juízes julga que o STF é submisso ao Executivo e vulnerável a pressões de partidos políticos e grupos empresariais. "É a percepção da magistratura. Não quer dizer que seja a avaliação do conjunto da sociedade", reagiu o ministro Nelson Jobim, em defesa do STF.

Na pergunta sobre se as decisões judiciais deveriam orientar-se predominantemente por parâmetros legais ou se também deveriam levar em consideração suas conseqüências econômicas e suas implicações sociais, a resposta foi surpreendente. Ao contrário do que sempre se imaginou, 86,5% dos entrevistados assumiram uma posição legalista.

Ao avaliar os advogados, os magistrados os consideram tecnicamente despreparados, em termos do domínio da legislação, e descompromissados com o respeito a padrões éticos, tal o número de expedientes "não recomendáveis" de que se valem para tentar retardar a tramitação dos processos. Apesar de 47% dos entrevistados terem classificado como "boa" e "muito boa" as relações institucionais entre o Judiciário e a OAB, eles se revelaram descrentes com relação à contribuição que a entidade pode oferecer para o aprimoramento profissional de seus filiados e ao próprio exercício da advocacia.

Quanto ao desempenho do governo Lula, quase 60% dos entrevistados o classificaram como "ruim". Os aspectos considerados mais críticos foram a agenda de reformas e a política social. O item que mais dividiu opiniões foi a política econômica: 37,7% dos juízes a consideraram "ruim" e 24,5%, "boa". A pesquisa revelou que, quanto menos tempo de carreira têm os magistrados, menos críticos tendem a ser com relação à orientação econômica do governo.

Segundo a AMB, esse levantamento orientará suas ações a partir de agora. Se interpretar os números sem viés corporativo, mobilizando suas forças para melhorar a qualidade dos serviços judiciais, a entidade dará uma contribuição decisiva para que o mais anacrônico dos três Poderes possa se modernizar, em proveito da sociedade que o sustenta e que dele depende para dirimir suas pendências.