Título: Surpresa desagradável
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2005, Notas e Informações, p. A3

Conhecido o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre, 1,2% menor que o do segundo, o Banco Central tem agora dois bons motivos para apressar o corte dos juros. Em primeiro lugar, a inflação está controlada, quase sem risco de repique no próximo ano. Nesse front o governo terá tranqüilidade em 2006, se não cometer algum erro fora do comum. Em segundo lugar, o recuo da produção surpreendeu até os pessimistas do mercado financeiro. Os piores números mostrados pelas bolas de cristal ficavam em torno de 0,5% negativo. Com um pouco mais de audácia, os condutores da política monetária poderão terminar o ano sob aplausos de crítica e de público, depois de um longo período sob vaias até injustas. Nem tudo é ruim, no entanto, no quadro recém-divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O consumo privado cresceu 0,8% entre o segundo e o terceiro trimestres e foi 2,8% maior que o de julho a setembro do ano passado.

As famílias consumiram mais não só porque tiveram crédito, mas também porque o bolo de salários foi 4,7% maior que o de um ano antes. Isso resultou da combinação de dois fatores altamente positivos. O número de pessoas ocupadas e o rendimento médio do trabalho superaram os de igual trimestre do ano passado. A diferença para mais, nas duas comparações, foi de 2,3%.

O comércio exterior também continuou evoluindo favoravelmente. As exportações de bens e serviços cresceram 1,8% do segundo para o terceiro trimestre. As importações avançaram 1,4%, e certamente não só por causa do câmbio valorizado.

No comércio de bens, o superávit acumulado no ano já supera US$ 40 bilhões, segundo os últimos números divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento. A rápida internação desse dinheiro, para aplicação a juros, tem contribuído para a valorização cambial muito mais do que o ingresso de capitais especulativos no mercado financeiro. Isso explica, em parte, o crescimento contínuo das vendas ao exterior, apesar do real supervalorizado.

Como exportações e consumo privado continuaram em crescimento, a queda de 1,2% na produção industrial deve ser explicável, em boa parte, por um ajuste de estoques. Outra parte pode ser atribuída à redução dos investimentos, que diminuíram 0,9%, depois de vigorosa expansão de 4,7% no segundo trimestre. Também se investiu menos que no terceiro trimestre do ano passado. A diferença para menos, 2,1%, foi em parte explicada pela base de comparação elevada, mas outros fatores provavelmente pesaram.

Neste momento, só é possível fazer conjecturas sobre isso. As decisões de investimento podem ter sido afetadas pelos juros elevados, pela crise política e pelo pessimismo quanto aos efeitos do câmbio sobre as exportações. Além disso, é preciso analisar mais atentamente a evolução das compras de máquinas e equipamentos para a agricultura.

É tempo de plantio, mas a perda de renda dos agricultores e um certo pessimismo sobre os ganhos na próxima safra devem ter desestimulado a compra de bens de capital para as lavouras. É preciso ponderar todos esses fatores para bem avaliar o comportamento dos agentes de cada setor.

Apressar o corte dos juros será a providência mais importante, a curto prazo, para animar os empresários a investir mais. Mas será conveniente, ao mesmo tempo, reafirmar o compromisso do governo com a seriedade fiscal. Depois das fortes pressões contra o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, há razões muito fortes para se prever uma onda de gastos eleitorais a partir deste fim de ano.

Não é essa a mensagem correta para os empresários. O que eles cobram do governo é uma combinação de mais investimentos em áreas estratégicas, como infra-estrutura e educação, e menores despesas de custeio. E não se trata de qualquer investimento. Dinheiro investido apenas para atender a uma clientela política é dinheiro desperdiçado.

Se o governo fizer o que deve na área fiscal, será possível conter o aumento de impostos e em seguida reduzi-los. O governo atrapalha a economia não por buscar um superávit primário próximo de 5% do Produto Interno Bruto, mas por gastar de forma ineficiente e continuar sangrando os contribuintes com uma tributação excessiva.