Título: Ipea propõe a divisão do Mercosul
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2005, Economia & Negócios, p. B7

Estudo elaborado pelo instituto prevê um mercado comum entre Brasil e Argentina, com limitações ao Uruguai e Paraguai

BRASÍLIA - Desgastado nos últimos anos pelos precários avanços na integração entre seus quatro sócios, o Mercosul teve sua existência questionada nos últimos anos por teorias das mais diversas. Primeiro, falou-se em acabar com a união aduaneira e deixar o bloco restrito ao livre comércio. Depois, em diluir o Mercosul por completo. Agora, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) propõe um ousado plano estratégico: dividir o Mercosul, para consolidar um mercado comum e um amplo pacto entre o Brasil e a Argentina até o final de 2014, que incluiria a unificação das moedas dos dois países a partir de 2017. Uruguai e Paraguai teriam inicialmente um engajamento mais limitado nesse projeto.

Concluído pelos economistas Fábio Giambiagi e Igor Barenboim em novembro, o estudo parte do princípio de que o Mercosul é uma inegável realidade. Mas acabou comprometido pelas suas fragilidades, pela instabilidade macroeconômica da região e pelo processo de estabilização de alguns membros, como o Brasil.

Os autores partem do princípio de que uma ¿arquitetura flexível¿, com o recuo estratégico para fórmula original, restauraria a credibilidade interna e externa do bloco. Ou seja, seria recuperado o teor do Tratado de Buenos Aires, de 1988, que previa o mercado comum apenas entre Brasil e Argentina, a exemplo da União Européia, construída a partir da aliança França-Alemanha. Giambiagi e Barenboim imaginam que, em vez de administrar o dia-a-dia, como vêm fazendo desde 1999, Brasil e Argentina poderiam criar um ¿bloco de duas velocidades ou de geometrias variáveis¿. Ou seja, as relações entre os dois principais sócios de um lado; com os demais, de outro.

Os presidentes dos quatro atuais sócios do Mercosul se prepararam para seu encontro semestral na quinta e sexta-feira, em Montevidéu, dispostos a agregar a Venezuela ao bloco. Eles estariam dispostos a discutir o assunto? ¿A pergunta que cabe fazer é: do ponto de vista dos interesses nacionais de cada país, especialmente Brasil e Argentina, é melhor encarar o mundo que se vislumbra para 2015 ou 2020 sozinhos ou em conjunto? Se a resposta for pela última opção, então é necessário começar desde muito antes a se preparar para isso¿, argumentam os autores do trabalho.

O estudo apresenta um projeto sistemático, que nada tem a ver com os acordos assinados entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner na última quarta-feira. O ideal seria que Brasil e Argentina concluíssem em 2008 dois protocolos que definiriam suas estratégias e objetivos.

Por que 2008? Nesse ano, ambos os países terão novos governos e poderão iniciar esse novo modelo de integração em 2009. Para tanto, o trabalho sugere que os presidentes nomeiem ministros extraordinários para a integração, com plenos poderes, ¿como os que Pedro Parente, ex-ministro da Casa Civil, teve durante a crise energética de 2001 para enfrentar esse problema¿, diz Giambiagi.

Um dos protocolos limitaria o Mercosul atual (incluindo Uruguai e Paraguai) a uma área de livre comércio. Com isso, os sócios ficariam livres para firmar acordos comerciais com terceiros países. A rigor, os economistas imaginam que esse suposto recuo permitiria constituir uma área de livre comércio, da Terra do Fogo ao México, até 2015.

Esse acordo também fixaria o objetivo do Brasil e da Argentina de constituir um mercado comum. Na prática, isso significaria a conclusão do livre comércio em todos os setores ¿ incluindo açúcar e automóveis ¿ e também da união aduaneira, com a redefinição de uma nova Tarifa Externa Comum (TEC) e sua aplicação plena a partir de 2011 pelos dois países. Seriam criadas instituições comuns e compromissos de coordenação macroeconômica.

¿A chave para justificar essa estratégia é o potencial de ganhos de escala para as empresas dos dois países ao somar os mercados para efetivamente ampliar o alcance da produção¿, assinala o estudo. ¿Se isso acontecer, a Argentina e o Brasil iriam muito provavelmente se constituir em um poderoso fator de atração de investimentos na próxima década.¿