Título: Europa avisa que não fará mais concessões
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2005, Economia & Negócios, p. B7

Embaixador da União Européia no Brasil diz que negociações agrícolas já chegaram a um limite

BRASÍLIA - A União Européia não apresentará uma oferta melhorada de redução de tarifas para produtos agrícolas, disse o embaixador da UE no Brasil, o português João Pacheco. A proposta apresentada por Bruxelas, insistiu, é suficiente para deslanchar as negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). O diplomata cobrou a ausência de ofertas concretas do Brasil sobre a abertura de mercados nos setores industrial e de serviços. "Não é dizendo façam uma nova oferta senão eu não faço isso nem aquilo que a negociação vai funcionar. Tem de haver realismo e propostas na mesa. Por isso, infelizmente, Hong Kong não será decisiva", afirmou, referindo-se à conferência ministerial da OMC, em Hong Kong, entre os dias 13 e 18.

Velho conhecido dos negociadores comerciais do Brasil, o embaixador Pacheco desembarcou em Brasília há apenas três meses, período em que foram dados recados espinhosos de lado a lado. A seguir, trechos da entrevista:

Estado - Como vê o inevitável fracasso da reunião de Hong Kong, atribuído à ausência de uma proposta aceitável da União Européia sobre acesso a mercado agrícola?

Pacheco - Espero que Hong Kong não seja um fracasso, embora não vá chegar perto de fechar a Rodada Doha. Não é dizendo "façam uma nova oferta senão eu não faço isso nem aquilo" que essa negociação vai funcionar. Tem de haver realismo e propostas na mesa. Se Hong Kong estabelecer boas bases, pode demorar um bocadinho, mas a Rodada não fracassará.

Há alguma chance de avanço em 2006?

Depois de Hong Kong, podemos fazer dessa Rodada um sucesso. A nossa oferta de acesso a mercados é realista e prevê a redução de 47% na tarifa de importação, bem mais que na Rodada Uruguai (1986-1994). Também oferecemos a eliminação das subvenções às exportações e a redução de 70% nos subsídios domésticos mais distorcidos. Estou para ver os Estados Unidos fazerem o mesmo.

O Brasil e as economias do G-20 não consideram essa oferta suficiente e esperam um novo gesto da UE sobre acesso a mercados. Há chances de o obterem até Hong Kong?

Creio que não. Isso foi dito claramente pelo nosso comissário (para o Comércio), Peter Mandelson. O Brasil diz que a Rodada não avançará sem uma nova oferta européia sobre agricultura. Para nós, a Rodada não avançou porque não houve negociação de indústria e de serviços.

Nas contas do Brasil, dos Estados Unidos e da Austrália, a redução oferecida pela Europa não seria de 47,5%. Seria de 39%. Até quando a UE vai insistir nos seus cálculos?

O cálculo do Brasil considera cada banda de tarifas aplicadas. O nosso cálculo, que é mais correto, usa a tarifa média aplicada para todos os itens agrícolas, de 23%. Com o corte de 47%, a alíquota média aplicada passaria a 12%. De qualquer jeito, se o Brasil quer mais da Europa, terá de convencer a Índia e a China a também oferecerem mais em agricultura. Além disso, o Brasil aliou-se aos Estados Unidos, que exigem uma grande abertura em agricultura. Essa demanda é tão ambiciosa que jamais será atendida.

A exigência da UE de manter uma lista de itens agrícolas sensíveis criou mais um dilema. Dos 2.200 itens tarifários do setor agrícola, só 322 sofreriam cortes reais. Como o Sr. pode dizer que essa oferta é boa?

Haveria cortes em todas as tarifas, sem exceção. A lista de sensíveis é de 8% dos produtos (176 itens). Para o Brasil, é demais. Mas a China quer 20%. Vocês se surpreenderiam com as listas de sensíveis da Índia, da Indonésia e do Egito (todos sócios do G-20).

O Sr. acha correto que, nos últimos 50 anos, tenham ocorrido sucessivas liberalizações na área industrial, quando nenhuma rodada abriu o mercado agrícola das economias mais desenvolvidas?

Não concordo. Houve abertura de mercados agrícolas ao final da Rodada Uruguai. As exportações agrícolas do Brasil para a UE cresceram.

As exportações cresceram com o aumento de competitividade .

Não nego que a abertura agrícola na Rodada Uruguai foi pequena. Não houve mais avanço em agricultura porque a maioria dos países tem dificuldades em abrir seus mercados nesse setor, cujo impacto social é enorme. A Índia tem 600 milhões de agricultores.

Por que não é respeitado o princípio da conferência de Doha (2001) de que o principal foco da Rodada é a agricultura?

O consenso foi que seria o motor da Rodada, não o seu foco.

O Brasil aliou-se aos Estados Unidos para pressionar a UE em acesso a mercados. Alcançada essa meta, a pressão recairia nos cortes de subsídios internos dos Estados Unidos. Como avalia essa estratégia?

Francamente, não vai dar. Essa estratégia já falhou. É claro que a União Européia não vai fazer uma nova oferta. Não esperem por isso. Nossa oferta já é suficiente para fazermos uma grande negociação. Mas, atenção, é evidente que o resultado final da Rodada Doha não será a nossa oferta.