Título: Insegurança fiscalizatória
Autor: Antonio P. Mendonça
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2005, Economia & Negócios, p. B4

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS ) foi criada, entre outras coisas, para regular e fiscalizar as atividades das operadoras de planos de saúde privadas com o objetivo de dar segurança aos consumidores desses produtos, dada a sua importância para a estabilidade social. Ocorre que nem sempre esse objetivo tem sido alcançado, ficando alguns pontos de interrogação que criam desconfiança no público em geral, quando não perdas de vulto para milhares de participantes de planos de saúde, que têm sua liquidação feita sem transparência ou pelo menos sem cumprir regras que a própria ANS adota como saudáveis em outras situações.

Agora mesmo a imprensa dá conta de que a Agência pretende leiloar as carteiras de uma operadora em dificuldades. É a medida correta a ser tomada nesses casos. A questão que se coloca é se haverá interessados nessas carteiras, porque o que acontece é que, normalmente, quando esses leilões são feitos, a situação do plano já se deteriorou, basicamente pelo descasamento de receitas e despesas.

Às vezes, ela também age antes da situação se deteriorar muito. Exemplo disso foi a intervenção determinada na Saúde ABC, porque a operadora está em má situação econômico-financeira.

É com base nesses fatos que a atuação da ANS merece uma reflexão mais profunda, inclusive para se evitar a repetição de fatos como os acontecidos no final de 2004, quando a ANS, de forma bastante sem transparência, entregou as carteiras da antiga Interclínicas para a Saúde ABC, que, pelo seu próprio passado, evidentemente não tinha condições de assumi-las.

A Interclínicas era um dos planos de saúde mais tradicionais do Brasil. Fazia alguns anos que atravessava uma situação delicada, que, ao longo de 2004, se deteriorou rapidamente, obrigando a ANS a nomear um diretor fiscal para acompanhar o negócio.

Curiosamente, apesar de nada poder ser feito sem a concordância do diretor fiscal, a gestão da Interclínicas continuou sendo tocada pela antiga diretoria, que decidiu, num determinado momento, transferir as carteiras de clientes para a Saúde ABC, um plano pequeno que já havia passado por dificuldades sérias ¿ tanto que fora alvo de ação da ANS ¿ e não tinha estrutura para assumir as carteiras de uma operadora do porte da Interclínicas.

Pois a Agência autorizou a operação, mesmo sabendo que a Saúde ABC estava bombardeada por uma série de ações judiciais que poderiam comprometer a sua capacidade operacional, que era campeã de reclamações e não tinha rede para ficar com a Interclínicas. Mais grave ainda: não houve a tentativa de fazer um leilão das carteiras, como ela pretende agora, buscando salvar os consumidores de uma operadora muito menor que a Interclínicas.

Ao agir assim, a ANS não acrescentou nada de útil ao mercado. Pelo contrário, deixou milhares de segurados na mão, tendo de correr atrás de outros planos, sem tempo para negociar condições mais interessantes, ou sendo obrigado a migrar para a Saúde ABC, com um padrão de atendimento muito inferior.

Ao determinar a intervenção na Saúde ABC, menos de um ano após haver autorizado a transferência das carteiras da Interclínicas, surgem algumas dúvidas e ficam em aberto questões que levam incerteza para o público consumidor de planos de saúde privados, que, de acordo com a própria ANS, vem crescendo em razão da recuperação econômica.

Entre elas, vale perguntar: será que é lógico a situação da Saúde ABC se deteriorar tão rapidamente, a ponto de, um ano depois de assumir a Interclínicas, ter a intervenção decretada? Será que um ano atrás a ANS não sabia quem era a Saúde ABC? Então, por que ela já havia agido em relação a ela? E se estava tudo certo, como a Saúde ABC se transformou na campeã de reclamações logo no início de 2005?

Questões dessa natureza não podem pesar sobre uma agência reguladora com a tarefa dar segurança a um setor que atende mais de 36 milhões de brasileiros.