Título: Boicote desmoralizou oposição, dizem analistas
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2005, Internancional, p. A9,10
Decisão se somou à lista dos sucessivos erros que levaram os antichavistas a perder espaço político
CARACAS - A decisão dos principais partidos de oposição de boicotar as eleições venezuelanas é criticada por muitos analistas. Incluindo aqueles que se têm ocupado de tecer duras críticas à "revolução bolivariana" do presidente Hugo Chávez. Para esses analistas, ao tentar, na última hora, retirar a legitimidade do processo eleitoral, depois de ter atendidas suas exigências em negociações com o governo, a oposição repete erros cometidos nos últimos anos. "Este é único movimento opositor no mundo que pretende reivindicar a democracia e combater o autoritarismo esfriando o entusiasmo das pessoas e promovendo a apatia e o absenteísmo perante o governo que diz combater", condena o sociólogo Carlos Raúl Hernandez. "Os partidos de oposição queriam participar das eleições sem convencer as pessoas a irem votar", argumenta ele, referindo-se aos altos índices de abstenção entre os eleitores oposicionistas, detectados nas pesquisas, e que contribuíram para a opção pelo boicote. "É uma amostra do que acontece quando as coisas são feitas sem convicção."
Para o padre José Virtuoso, da organização Olho Eleitoral, dedicada a monitorar os processos eleitorais, a decisão da oposição "abriu uma crise de representação sem precedentes".
Virtuoso reconhece que a credibilidade do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) ficou abalada, com a descoberta de que o sistema armazenava os votos, permitindo a violação do sigilo. Mas pondera que o CNE se esforçou por atender às condições da oposição, chegando a eliminar o leitor de impressões digitais, que, para os oposicionistas, possibilitava vincular o eleitor ao seu voto. Na sua opinião, a responsabilidade pela crise é da oposição.
O articulista Fausto Masó, do jornal El Nacional, inclui o boicote na lista dos sucessivos erros cometidos pela oposição. Segundo Masó, o golpe de abril de 2002, apoiado pela oposição, no qual Chávez ficou desaparecido por cerca de 30 horas, seqüestrado por militares rebeldes, "serviu para o presidente assumir o controle do Exército". Depois da paralisação do setor petrolífero, em dezembro desse ano, Chávez pôde promover mudanças profundas na PDVSA, a estatal do petróleo venezuelana, aparelhando-a.
Masó lembra que, no início da era Chávez, no fim dos anos 90, a oposição contava com respaldo no Congresso, no Poder Judiciário, no Exército, na Fedecámaras (principal entidade empresarial do país), nos meios de comunicação, na Igreja e na comunidade internacional. "O que a oposição ganhou perdendo todos esses espaços?", pergunta o analista.
Para Masó, a abstenção de ontem pode proporcionar argumentos aos inimigos de Chávez perante a opinião pública internacional. "Para o país, não trará benefícios", diz o articulista. "Não se trata de investir no quanto pior, melhor."
Virtuoso acha que, terminada a eleição, o governo e a oposição terão de se sentar para buscar compromissos em torno dos grandes temas, a começar pelo aperfeiçoamento do processo eleitoral. "Se a Assembléia Nacional não incluir a dissidência em suas discussões, suas decisões não serão politicamente representativas." Mesmo falando em crise de representação, Virtuoso não vê possibilidade de se questionar a legalidade das eleições. A lei venezuelana não prevê comparecimento mínimo.
Hernández avalia que, tecnicamente, Chávez não pode ser classificado de ditador, como quer a oposição: "É um regime autoritário, uma semidemocracia clássica, não uma ditadura." Nisso consiste a principal dificuldade da oposição de lidar com Chávez, desde sua chegada ao poder, em 1998: tudo tem sido feito com uma embalagem de legalidade, e o presidente tem derrotado seus adversários sucessivamente no voto.
Depois de sua primeira eleição, Chávez obteve maioria absoluta numa Assembléia Constituinte, que aprovou uma Constituição depois referendada pelos eleitores. Em seguida, Chávez se elegeu mais uma vez, o que passou a contar como seu primeiro mandato, sob a nova Constituição. Em 2004, o presidente teve seu mandato confirmado num "referendo revogatório", previsto na Constituição. Em outubro, Chávez massacrou mais uma vez a oposição, em eleições municipais. Depois da vitória de ontem, o presidente parte para a reeleição, em dezembro do ano que vem.