Título: A crise das agências
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2005, Notas e Informações, p. A3

O descaso com que o governo Lula trata as agências reguladoras está prejudicando seriamente o funcionamento de todas elas e levando algumas a uma crise que pode resultar em sua completa paralisia. Contingenciamento de verbas e atraso na indicação de diretores são problemas comuns a todas. Mas uma delas, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vive uma situação dramática. Associações empresariais advertem ministros e parlamentares que, se providências não forem tomadas com urgência, o colapso da Aneel "será inevitável". Pouco depois de sua posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma declaração bombástica sobre as agências reguladoras, dizendo que, por causa delas, "o Brasil foi terceirizado". A declaração revelava desconhecimento do papel dessas agências na regulação de atividades essenciais para o funcionamento da economia brasileira e na preservação dos interesses legítimos do setor público, do investidor e do consumidor.

Felizmente o presidente não voltou a repetir críticas tão contundentes e despropositadas às agências, mas a maneira como seu governo vem tratando a questão revela uma atitude que oscila entre o desprezo e a sabotagem. Tem sido freqüente o atraso na indicação de diretores, o que paralisa determinadas agências, pois as impede de ter quórum suficiente para tomar decisões.

Indicações político-partidárias ameaçam certas características das agências que, por serem essenciais a seu funcionamento, deveriam permanecer intocadas, como sua independência técnica. Essa forma de nomeação lança dúvidas sobre a competência dos escolhidos e sobre a qualidade das decisões futuras das agências.

À "politização" das agências reguladoras, que, por sua natureza e finalidade, devem ser órgãos técnicos, se soma outra prática nociva do governo: o excessivo contingenciamento de verbas. Aplicado a todos os setores do governo, com o objetivo de assegurar o cumprimento das metas de superávit primário, o contingenciamento nas agências reguladoras chegou, em alguns casos, a um ponto muito perigoso.

O exemplo da Aneel é, provavelmente, o mais ilustrativo. De acordo com o documento enviado por 12 associações empresariais a ministros e parlamentares, em 2002, 34,8% dos recursos destinados à Aneel foram contingenciados. Esse índice foi subindo rapidamente (59,23% em 2003 e 64,3% em 2004), até chegar ao ponto em que ameaça asfixiar a agência: 73,5% neste ano. Isso significa que, de cada real que deveria receber em 2005, a Aneel receberá apenas 26,5 centavos. É só um quarto do que deveria receber. "Tem sido impossível à Aneel cumprir eficientemente sua missão", diz o documento.

À falta de dinheiro junta-se agora a ameaça da falta de pessoal. Sete anos depois de criada, a Aneel ainda não conseguiu preencher seu quadro funcional. Parte essencial de seu trabalho técnico é realizada por 154 profissionais admitidos em caráter temporário, cujos contratos terminam no dia 31 de dezembro. Sem eles, a Aneel pára.

Não serão apenas as empresas interessadas em manifestações e decisões da Aneel que perderão com isso. Como lembrou o diretor-geral da agência, Jerson Kelman, sem seus técnicos a Aneel não poderá analisar os pedidos de reajustes de tarifas feitos pelas empresas concessionárias. Nesse caso, a legislação determina que, se o pedido não for examinado em 30 dias, se aplique o índice solicitado pelas empresas.

Outras agências enfrentam problemas semelhantes, embora menos graves do que os da Agência Nacional de Energia Elétrica. Também elas carecem de equipes técnicas. Algumas conseguiram realizar concursos, mas muitos dos aprovados não assumiram o cargo, pois em outros organismos do governo funções com igual nível de exigência e qualificação oferecem remuneração que corresponde ao dobro do que as agências podem pagar. Alguns aprovados até aceitam assumir o cargo, mas logo o trocam por emprego na iniciativa privada, onde a remuneração é ainda melhor do que em outros órgãos públicos. Há cerca de um mês, os diretores-gerais de nove agências reguladoras enviaram carta a ministros de Estado expondo esse problema

O governo não pode, pois, alegar ignorância da grave situação por que passam as agências. Precisa agir e, no caso da Aneel, com grande presteza.