Título: No Rio, desaparecem 3 jovens a cada 48 horas
Autor: Robson Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/12/2005, Metrópole, p. C1,3

Chefe de serviço diz que muitas vezes famílias não informam quando acham criança; coordenador critica cultura policial de esperar 48 horas

De acordo com as estatísticas da 1ª Vara da Infância e da Juventude, a cada 48 horas 3 crianças e adolescentes desaparecem no Rio. Nos últimos cinco anos, foram 3.463 notificações de desaparecimento, números que deixam de fora os casos registrados nas delegacias, a primeira providência tomada pelos responsáveis pelas crianças. Marilurdes Binder, chefe do Serviço de Localização de Desaparecidos do Juizado, garante que muitos casos são solucionados até 48 horas após a comunicação, mas admite que muitos jamais serão encontrados. Na sexta-feira, ela aguardava o resultado de oito exames de DNA para confrontar com os registros do Juizado. Pelas estatísticas oficiais da Vara da Infância do Tribunal de Justiça do Rio, tomando por base os últimos cinco anos e apenas os casos que chegaram ao Juizado, 1.019 crianças estão desaparecidas em todo o Estado, incluindo Yasmin, levada pelo avó paterna quando tinha 1 ano. A responsável pelo setor de localização alerta, porém, que raramente a família procura o Juizado para comunicar o reencontro da criança desaparecida.

Com a experiência de anos lidando com o sofrimento de pais e filhos, Marilurdes afirma que a violência familiar e as drogas - "nessa ordem", faz questão de ressaltar - estão tirando as crianças de casa. "Por trás desses desaparecimentos existe grande quantidade de fugas, motivadas por maus-tratos ou outras desavenças familiares, o que torna a solução dos casos, sob o ponto de vista do Juizado, muito mais complexa."

"Fugir de casa é o primeiro sintoma de alguma coisa errada no ambiente familiar", concorda Alexandre Reis, coordenador da Redesap. "Isso significa que não basta encontrar a criança, mas trabalhar com a família para evitar algo até mais grave do que a fuga." Segundo Reis, muitas fugas são em áreas de grande concentração populacional e nas periferias das metrópoles. "Tente imaginar uma mãe sozinha, com vários filhos para criar e tendo que trabalhar para sustentá-los, sem ter quem a ajude: você terá noção exata do problema", disse Reis na semana passada sem saber que, de Brasília, descrevia com precisão a situação de Maria Soares Pinheiro.

PRAZO MÍNIMO

Reis critica o comportamento das delegacias de polícia e a "cultura de esperar até 48 horas para registrar o caso como desaparecimento ou começar a agir", na suposição de que neste período a criança ou o adolescente vai reaparecer. "Não há respaldo na legislação para esse tipo de procedimento e, no caso de crianças, essa perda de tempo pode ser fatal."

O delegado Marcos Carneiro Lima, da 2ª Delegacia de Pessoas Desaparecidas, ligada ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, em São Paulo, concorda que é preciso um esforço para "quebrar a postura corrente nas delegacias" de esperar 24 horas, mas alerta que, independentemente disso, se uma pessoa perde o contato com a família a polícia precisa ser imediatamente avisada.

"Se uma criança demora muito mais tempo do que o normal para voltar da escola e os pais não conseguem localizá-la, devem procurar a polícia", alerta. "E o policial que simplesmente jogar esse boletim de ocorrência numa gaveta não estará cumprindo o seu dever."

Segundo o delegado Carneiro Lima, 48% dos desaparecidos em São Paulo têm menos de 18 anos, mas ele diz que esse índice deve ser analisado com cuidado. "O número de desaparecimentos de crianças de 0 a 12 anos, como definido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e adotado em São Paulo, não chega a 10% desse total." As faixas de maior predominância, diz, são de 8 a 12 anos e dos 14 aos 20.

"No primeiro caso, a violência ou o abandono familiar jogam essas crianças nos braços dos que chamamos pais de ruas, que formam exércitos de crianças para trabalhar para eles." Na outra faixa, é a "rebeldia, típica do adolescente" e de novo a violência familiar.

"Mas nunca podemos deixar de considerar a hipótese de homicídio praticado por psicopata", adverte. "Muitos casos de desaparecimento acabaram em crimes bárbaros." Pelos dados do DHPP, a média anual de desaparecimentos no Estado varia entre 17 mil e 18 mil casos. Em média, 10% são pessoas encontradas mortas, ou seja, não se considera desaparecimento.