Título: Europa admite concessões ao Brasil
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/12/2005, Economia & Negócios, p. B1

Pela primeira vez, União Européia acena com a possibilidade de melhorar sua proposta na área agrícola

A União Européia (UE) indica pela primeira vez, ainda de forma tímida, que pode oferecer melhorias em sua posição nas negociações agrícolas da Organização Mundial do Comércio (OMC) que ocorrem em Hong Kong. Os europeus deram a sinalização sob a condição de que países como Brasil e Índia também façam concessões na área industrial. Os países emergentes suspeitam da iniciativa, que sequer lhes foi detalhada. O chanceler Celso Amorim alertou aos europeus que o Brasil não aceitará pagar com concessões por avanços como o estabelecimento da data para o fim dos subsídios à exportação. Apesar de a conferência ter início oficial amanhã, diplomatas alertam que o encontro já começou com intensidade nos bastidores. A indicação da UE ocorreu nas reuniões privadas do comissário de Comércio da Europa, Peter Mandelson, com Amorim e com o ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath. Amorim levou a Mandelson uma lista de assuntos da pauta agrícola que podem avançar na negociação. "Não teremos acordo sobre a barganha central dessas negociações, mas ainda assim acredito que podemos avançar em outros assuntos", disse.

Os europeus estão sendo pressionados a fazer concessões extras no setor agrícola depois de apresentarem oferta de liberalização que não agradou a ninguém. A atual oferta significaria abertura limitada em apenas 10% do que a UE importa em produtos agrícolas do mundo. No total, os produtos que seriam liberalizados parcialmente representam só US$ 3 bilhões em fluxos de comércio.

Ontem, Mandelson reuniu-se com a delegação do Brasil e da Índia. Na sexta-feira, manteve outro encontro com Nath em Cingapura e fez o mesmo gesto de que tem espaço para melhorias em sua oferta agrícola. Até pouco tempo, ele pedia novas concessões do Brasil e da Índia no setor de produto industrial e alertava que não tinha mais nada a oferecer na área agrícola.

Parte do problema seria a intransigência de países europeus em aceitar nova concessão agrícola. Um deles seria a França, embora o Reino Unido tenha deixado claro que quer a liberalização. Mandelson teria dito aos demais negociadores que trabalha por flexibilidade da posição francesa e espera apresentar algo novo em Hong Kong. A sinalização da Europa ainda não gera confiança nos demais negociadores. "Queremos saber se esse aceno é real", diz um embaixador indiano. Segundo ele, Mandelson tem um preço por essas concessões. "A negociação começa a se mover, não sabemos para onde."

Amorim apresentou ontem a Mandelson o que acredita pode ser feito em Hong Kong. Um dos temas é a regulamentação dos cortes tarifários. Há convergência de que a redução ocorrerá em níveis: quanto maior a tarifa, maior o corte. Resta saber quais são os patamares. Os europeus sugerem que tarifas acima de 90% sejam cortadas em 60%. Para o Brasil, se esse corte fosse aplicado em produtos com taxas a partir de 85%, a carne nacional exportada para a Europa poderia se beneficiar.

O segundo ponto é regulamentar o que será considerado produto sensível. Os europeus defendem que até 200 itens entrem na categoria. Para o Brasil, o número precisa ser menor e regulamentado como cotas.

Por fim, Amorim sugeriu a fixação de data para o fim dos subsídios. O Brasil quer 2010 como limite. Mandelson insistiu que o prazo só pode ser fixado quando os EUA limitarem seus programas de crédito à exportação. Amorim sugeriu, então, que a data seja deixada em condicional e confirmada quando outros pontos forem resolvidos. Mandelson teria dito que a lógica do brasileiro "não era falha". Hoje, as reuniões preparatórias do Brasil continuam com o G-20 (grupo dos países emergentes) e os EUA. Amorim acredita que Washington queira de fato reduzir gastos em subsídios e deu, pela primeira vez, indicação nesse sentido.