Título: Briga esquenta entre Incor e HC
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/12/2005, Vida&, p. A11

Ministério Público prepara relatório sobre a situação financeira da Fundação Zerbini, que diz ser "calamitosa"

A briga que envolve o Instituto do Coração (Incor) e o Hospital das Clínicas (HC) - respectivamente a mais respeitada instituição médica especializada em cardiologia e o maior complexo hospitalar da América Latina - terá nova munição esta semana. Hoje, o HC promove uma entrevista coletiva para explicar por que quer que a direção da Fundação Zerbini, entidade responsável pela administração do dinheiro do Incor, seja destituída. E, até quarta-feira, o Ministério Público do Estado de São Paulo terá em mãos um relatório completo da situação financeira e administrativa da fundação. O documento é resultado de quatro apurações em curso na instituição. A disputa de titãs tornou-se pública há pouco mais de uma semana. No dia 29, José Ramires, presidente do Conselho Curador do Incor, recebeu uma carta assinada por Giovanni Guido Cerri, diretor do Conselho Deliberativo do HC, com o aviso de que estava fora do cargo. No dia 2, Ramires conseguiu uma liminar na 7ª Vara da Fazenda Pública de SP para voltar ao posto. O HC recorreu na Justiça, mas não conseguiu derrubar a liminar.

O documento conclusivo das investigações será apresentado oficialmente ao conselho da Zerbini na próxima segunda-feira, às 11 horas no Fórum João Mendes, pelo promotor de Justiça Paulo José de Palma. Uma das quatro investigações do Ministério Público está sendo feita a pedido do próprio Conselho Deliberativo do HC.

"As principais reclamações contra a fundação, com as quais eu concordo, são sobre a má atuação de seus conselheiros e sua situação financeira calamitosa", afirma o promotor José de Palma. "O que vejo é uma instituição liderada por um homem só (Ramires é presidente da Zerbini e do Incor) e com uma dívida impagável. E, apesar de ser privada, ela é de interesse social, pois lida com dinheiro público." Cerri, do HC, faz acusações semelhantes. "A atual gestão é inadequada. A Zerbini tem uma dívida enorme e o Ramires não consulta o conselho do HC para nada", afirma.

O OUTRO LADO

O outro lado se defende. Paulo Bonadies, advogado de Ramires, afirma que o que estaria por trás de tudo isso é o interesse do conselho do HC na Fundação Zerbini. "Eles querem cuidar do dinheiro que a Zerbini administra", diz ele.

O presidente da fundação, Ramires, conhece o Incor como poucos. Ele está lá desde a criação da instituição, em 1977, foi o primeiro médico contratado em tempo integral, e afirma categoricamente que o dinheiro é muito bem administrado. "O problema da Zerbini é uma dívida contraída no fim da década de 90, a pedido do então governador Mário Covas, que queria ver o prédio novo do Incor terminado", explica ele. "O governo não tinha dinheiro e Covas pediu para a Zerbini usar os US$ 50 milhões de seu fundo para isso. A Zerbini não só usou, como pediu um empréstimo de US$ 65 milhões ao BNDES para terminar a obra e contratar 1.300 funcionários. Covas afirmou que o dinheiro seria ressarcido à fundação. Logo depois, o real se desvalorizou drasticamente em relação ao dólar e Covas faleceu (em 2000, de câncer). A dívida nunca foi honrada pelo Estado. Não fosse a dívida desta época, não haveria dívida nenhuma. Acontece que o Incor aceitou fazer essa transação. É quase um conto do vigário", afirma Ramires. O cardiologista conclui: "O Incor é bem administrado. Sem o apoio da fundação, ele não seria o que é, nem teria a autonomia que tem".

O Incor tem, de fato, um balanço primário positivo. Isso significa que a receita que entra é suficiente para pagar seus custos. "Vamos fechar o ano com R$ 15 milhões positivos. Temos uma política rígida de redução de custos, contra desperdícios, e ainda por cima sem comprometimento da qualidade", afirma o diretor-executivo do Incor, David Uip. O cardiologista Adib Jatene, testemunha do empréstimo na época de Covas, acrescenta: "Se tirar a dívida contraída pela Zerbini na época do Covas, o desempenho do Incor é positivo".

A Fundação Zerbini foi criada em 1978 para captar recursos dos serviços prestados pelo Incor e reaplicá-los no próprio instituto. Hoje, cerca de 20% dos atendimentos do Incor são de convênios de saúde ou de particulares e 80%, do Sistema Único de Saúde (SUS). Os outros cinco institutos do HC - da criança, de psiquiatria, de ortopedia, de radiologia e o central - têm a Fundação Faculdade de Medicina como instituição de apoio. Jatene, que não quer se envolver na discussão, afirma: "O Incor tem de ser preservado disso tudo".