Título: "Contratos com Petrobrás serão renegociados"
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/12/2005, Internacional, p. A8

Evo Morales, de 46 anos, lidera as pesquisas das eleições presidenciais que acontecem no próximo domingo

LA PAZ ENVIADO ESPECIAL DAVID MERCADO/REUTERS De acordo com a última pesquisa, Morales tem cinco pontos de vantagem sobre o segundo colocado, o ex-presidente Jorge Quiroga, mas está longe de alcançar os 50% dos votos que o elegeriam no primeiro turno. Na Bolívia, quando um dos candidatos não consegue a maioria, o Congresso escolhe o presidente entre os dois primeiros colocados. No Legislativo, Morales corre sério risco de perder a disputa para Quiroga, uma vez que seu partido Movimento ao Socialismo (MAS) não deve eleger congressistas num número suficiente para proclamá-lo presidente. Não há uma data marcada para a decisão do Congresso. Pela Constituição boliviana, caso seja necessária a sentença do Congresso, os congressistas eleitos também no dia 18 serão convocados extraordinariamente para a sessão decisiva e terão de proclamar o presidente até 21 de janeiro, véspera da data prevista para a posse. Morales deve sua carreira política à atuação na defesa dos plantadores de coca da região do Chapare, no departamento de Cochabamba. É partidário da nacionalização do petróleo e do gás e visto com desconfiança pelos EUA.

A Petrobrás já investiu cerca de US$ 1,5 bilhão na Bolívia e o Brasil é um grande importador de gás do seu país. O sr. pretende negociar com o governo brasileiro uma revisão dos contratos, caso seja eleito presidente?

Os contratos terão de ser renegociados. Não há nenhuma concessão de nossa parte quanto a isso. Mas é preciso deixar claro que isso não significa confisco nem expropriação. O que queremos são acordos mais justos, que nos dêem mais do que os atuais menos de 10% pelo comércio do gás produzido pelas multinacionais aqui. Queremos trabalhar juntamente com a Petrobrás, mas queremos sócios, não patrões.

Apesar de uma eventual eleição sua contrariar alguns interesses da Petrobrás, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já manifestou sua simpatia em relação à sua candidatura. Como o sr. vê as relações com o Brasil em um possível governo sob sua liderança?

Eu me lembro de já ter afirmado ao Estado que considero Lula um irmão mais velho. Ele representa um país gigantesco e uma economia muito poderosa, e eu representarei um país menor, muito mais pobre. Ambos temos origens parecidas e ambos temos a vontade política de fazer o melhor para os mais pobres de nossos países. E, quando se trata de irmãos, tudo fica mais fácil. Irmãos têm boa vontade para resolver todos os problemas que têm para resolver.

Seus adversários qualificaram a declaração de Lula favorável ao sr. de uma intromissão...

Nem poderia ser diferente. Ora, a simpatia de Lula por mim é um exemplo de sua coerência política. A declaração de simpatia de Lula não dá nem tira votos numa eleição que ocorre na Bolívia. Eu também tenho opiniões sobre políticos de outros países, isso é natural. Seria estranho se Lula manifestasse simpatia pelos candidatos das elites daqui.

O seu partido tem alguma estratégia política para evitar que uma eventual vitória parcial nas urnas seja transformada em uma derrota no Congresso?

Ainda não estamos pensando nisso, mas este é um cenário possível, que está previsto em nossa Constituição. Pretendemos cumprir todas as normas constitucionais, embora nossa aspiração principal seja redigir uma nova Constituição por meio de uma Assembléia Constituinte. Sabemos que há um despertar do povo indígena, do povo pobre da Bolívia, que clama por mudanças radicais na política boliviana. E uma reversão dessa expectativa provocaria uma decepção muito grande.

O sr. crê que a mobilização popular poderia pressionar o Congresso a referendar o resultado das urnas?

Não quero falar em mobilização. Pôr gente nas ruas é algo muito delicado. É cedo para isso e, sinceramente, acho que não ocorrerá. As escolhas de presidente no Congresso sempre foram grandes negociatas, grandes acordos para manter tudo como está. Por isso, estamos trabalhando muito para obter mais da metade dos votos e ganhar a eleição já no primeiro turno. E isso é possível, acreditamos nisso.

O movimento indígena, do qual o sr. é um dos principais líderes, ganhou espaço político nas últimas décadas...

Há 500 anos, a população indígena da Bolívia tem sido oprimida. A origem da organização que temos hoje foi várias décadas atrás. Foi um processo longo e sofrido e muitos heróis indígenas são mártires desse processo. Por isso, uma vitória minha agora é mais um passo nesse avanço, mas ainda há muito por fazer e a luta recém começou.

Dado que a Bolívia tem uma população de maioria indígena, ter origem aimará é hoje uma vantagem política?

Não sei se podemos pensar assim. A verdade é que os indígenas sempre acreditaram que seus problemas poderiam ser resolvidos pelos políticos brancos, mas isso nunca aconteceu. Hoje não pensam mais assim. Chegaram à consciência de que têm o direito de não serem subjugados por interesses imperialistas, que a riqueza de seus recursos naturais não pode continuar sendo roubada pela oligarquia política aliada às transnacionais.

Entrevista

Evo Morales: Candidato à presidência da Bolívia

MORALES - 'Nossa aspiração principal é redigir uma nova Constituição'

"Eu e Lula temos origens parecidas e ambos temos a vontade política de fazer o melhor para os mais

pobres de nossos países. E, quando se trata de

irmãos, tudo fica mais fácil. Irmãos têm boa vontade para resolver todos os

problemas que têm

para resolver"

"As escolhas do

Congresso sempre foram grandes negociatas para manter tudo como está"