Título: Furlam: subsídio da UE é 'medieval'
Autor: Renata Veríssimo
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/12/2005, Economia & Negócios, p. B10

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, bateu duro nos subsídios agrícolas pagos pela Europa, durante jantar na Embaixada da França em Brasília. Falando a cerca de 50 pessoas, a maioria dirigentes de grandes empresas francesas com representação no Brasil, Furlan chamou o sistema de subsídios de "medieval" e "retrógrado". "Digam aos seus negociadores na União Européia que é insustentável o subsídio concedido aos produtores agrícolas", pediu. Os empresários, em clima descontraído, riram. "Não riam, porque é sério", disse Furlan, sem alterar o tom de voz. "Vocês sabem que não existe mais uma Europa pós-guerra. O presidente Lula é um agente de mudanças e eu espero que o próximo presidente da França também seja um agente de mudanças, que pense o século 21 como uma nova economia e não como era na década de 50", completou. Um silêncio constrangedor encheu a sala e só foi quebrado com o aviso do embaixador Jean de Gliniasty de que o jantar seria servido.

O apelo de Furlan dividiu as opiniões. Em conversas paralelas, alguns defenderam os subsídios como forma de atingir a auto-suficiência alimentar como prevenção a emergências, como um ataque terrorista. Outros, embora concordassem com a tese dos primeiros, argumentavam que os subsídios agrícolas não poderiam ser estendidos aos produtos destinados ao mercado externo.

O jantar foi oferecido pela Câmara de Comércio Empresarial da França, que se reúne quatro vezes por ano. O embaixador da França, após servido o jantar, aceitou a provocação inicial de Furlan e afirmou que a Europa já decidiu acabar com os subsídios "distorcidos". Mas, disse o embaixador, trata-se de uma questão complexa porque, sem subsídios, as ex-colônias européias na África, Ásia e Caribe (o chamado ACP) teriam dificuldades. Sempre cordial, Furlan sustentou que o programa de ajuda dos europeus a suas ex-colônias, ao contrário de ajudar, perpetua o atraso econômico daqueles países.

Ele desafiou os anfitriões a apontarem uma ex-colônia que tenha saído da pobreza graças a esses programas. "Os ACPs são pobres e continuam pobres porque esse sistema não os tira da pobreza", disse o ministro. "Há uma distância imensa entre o discurso e a ação. Esses países precisam de capacitação de pessoal, de investimentos que façam movimentar a economia local", completou. "A Europa despeja produtos subsidiados, como carne e manteiga, que beneficiam grandes grupos empresariais, mas quando despejam seus produtos liquidam com a economia local."

Furlan criticou ainda a falta de resultados das rodadas de negociação para a criação de um acordo de livre comércio entre União Européia e Mercosul e no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC). "Quando as cortinas se fecham fica-se esperando a próxima reunião plenária para se falar da mesma coisa. E as coisas não acontecem. Se quiserem resolver os problemas, o Brasil é parte da solução. Não somos parte do problema."

O ministro lembrou que, a poucos dias da próxima reunião ministerial da Rodada Doha em Hong Kong, ainda não há resultados práticos. "Não me atrai o discurso e a política, mas me atrai realizar ações acalentadas por muito tempo e não realizadas", disse Furlan. O embaixador francês argumentou que o "coração" das discussões na OMC será a solução do problema causado por excesso de mercados.

CRESCIMENTO

Coube ao presidente do conselho empresarial, François Dossa, tentar mudar o rumo das discussões. Ele perguntou ao ministro como os empresários poderiam explicar às suas matrizes um crescimento de 2,5% da economia brasileira enquanto países como China e Índia vão crescer a níveis muito mais elevados este ano. Furlan novamente não titubeou: "Empresarialmente, é muito simples. É só ver quanto cresceu sua empresa - duas, três, quatro vezes mais". Furlan desafiou os empresários a citar uma empresa que lucra mais na China que no Brasil: "O seu investimento tem taxa de retorno no Brasil melhor ou pior que em outro país adiantado?".

As discussões retornaram às negociações internacionais quando um empresário pediu a Furlan para comentar o processo de consolidação do Mercosul. O ministro lamentou o fato de União Européia e Mercosul terem adiado as negociações para um acordo de livre comércio. "Seria bom para o mundo um acordo entre as duas regiões. De um lado um mercado insaturado como o Mercosul e de outro uma região como a Europa, que é exportadora líquida de investimentos."

O ministro disse que o Brasil está disposto a melhorar suas ofertas em áreas de interesse da Europa como serviços e denominação de origem. "Mas, se não houver reciprocidade, algo equivalente economicamente, não faz sentido o Brasil fazer uma abertura unilateral gratuita", avisou. "Estamos prontos para uma abertura econômica mais profunda."

Ao final do jantar, os empresários se disseram satisfeitos com o debate e não se mostraram surpresos com o tom usado pelo ministro. Eles argumentaram que, em outros encontros, Furlan sempre deixou muito clara a sua posição.